domingo, 28 de março de 2010

BRASIL - Direitos Hunanos - A realidade do Brasil aos 60 anos da Declaração Universal

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DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 25. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.


Novas leis abriram espaços, crianças e jovens passaram a receber atenção prioritária, mas o empenho do Estado e da sociedade ainda não foi suficiente para resgatar da pobreza, da violência, do trabalho ilegal e da falta de instrução importantes contingentes da população de menos de 18 anos.

"O reconhecimento dos direitos da criança e do
adolescente tem avançado a partir do processo
de redemocratização do país. O Código de Menores
e sua lógica repressiva deixaram de ser a norma
vigente. Uma ampla articulação em prol dos
direitos das crianças construiu os alicerces da Lei
8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), colocando o Brasil entre os primeiros países
a construir um marco legal em consonância com os
princípios adotados na Convenção sobre os Direitos
da Criança da ONU, de 1989.
Até hoje o ECA provoca resistência de uma parcela
da sociedade, cuja manifestação mais recente
é a mobilização pela redução para a maioridade
penal para 16 anos de idade, alvo de 31 projetos
de emenda constitucional no Congresso brasileiro.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (Conanda) — instância máxima da
rede de proteção social, de caráter deliberativo e
composição mista paritária — e o governo brasileiro
manifestaram-se contra a proposta, que colide com
o princípio da proteção integral previsto no ECA e
na Constituição.

Mortalidade infantil em queda
No ano de lançamento do ECA, o índice de óbitos de
menores de 1 ano era de 45,2 óbitos para mil nascidos
vivos; a Pnad 2007 registrou 24,3 óbitos por
mil nascidos vivos. A mortalidade na infância (óbitos
de 1 a 5 anos) caiu ainda mais, segundo o relatório
do Unicef: de 59,6 para 29,9 por mil nascidos vivos
entre 1996 e 2006, ritmo compatível com a meta
de reduzi-la em dois terços até 2015, como prevê a
Meta do Milênio.
Outro ponto positivo foi o aumento da frequência
escolar em todas as faixas etárias, aproximandose
da universalização entre as crianças e adolescentes
de 7 a 14 anos e avançando entre os mais novos,
com a instituição do ciclo de nove anos de ensino
fundamental obrigatório. Na linha do combate às
desigualdades educacionais, o crescimento expressivo
no número de escolas quilombolas e indígenas,
bem como o avanço no número de matrículas na
educação especial (de 448.601 alunos em 2002 para
700.624 em 2006).

O trabalho infantil
proibido pela legislação
brasileira até os 16 anos de idade — caiu 44,8
pontos em comparação a 19921, ano que marca a
entrada do país no Programa Internacional para
a Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec), da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), dando
origem ao combate ao trabalho infantil por meio
de fiscalização do Ministério do Trabalho e a outras
iniciativas, também da sociedade civil, como o selo
Empresa Amiga da Criança, da Abrinq. Em 1996, foi
criado o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil), que concede bolsa às famílias que retiram
os filhos do trabalho, condicionada à frequência
escolar e ao comparecimento às atividades socioeducativas
previstas (em 2005, o Peti foi integrado
ao programa Bolsa Família). Em 2007, 877 mil
crianças e adolescentes participavam do programa.
Agenda Social da Criança e do Adolescente
Em 12 de outubro de 2007, o governo lançou
a Agenda Social da Criança e do Adolescente, que,
com orçamento de R$ 2,9 bilhões, envolve ações e
recursos orçamentários de 14 ministérios, além de
parceria com seis empresas estatais. O maior programa
intergovernamental de proteção especial do
país, com verbas definidas para 47 ações, em convênio
com estados e municípios, reúne quatro projetos:
“Na Medida Certa”, destinado aos adolescentes
em conflito com a lei internados em municípios
com mais de 50 mil habitantes e 250 unidades de
internação; “Caminho pra Casa”, voltado para a
promoção do direito à convivência familiar e comunitária
de crianças e adolescentes que vivem em
abrigos em 445 municípios; “Bem me Quer”, para
prevenir e atender meninos e meninas vítimas de
violência; e Observatório Criança e Adolescente,
portal de monitoramento dos direitos da criança e
do adolescente.
O principal programa do “Na Medida Certa” é a
implantação do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase), conjunto de normas que
regulamenta as medidas socioeducativas previstas
no ECA para adolescentes em conflito com a lei. Em
2007 o país tinha cerca de 60 mil adolescentes no
sistema socioeducativo, e 16,5 mil cumpriam medida
de privação de liberdade (internação, internação
provisória e semiliberdade) — número quase 300%
maior do que em 1996, quando o país tinha 16.426
adolescentes internos. Mais grave: segundo Paula
Miraglia, do Instituto Latino-Americano das Nações
Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do
Delinquente (Ilanud), o atendimento aos internos
ainda “se caracteriza por inúmeras violações de direitos,
tais como adolescentes privados de liberdade
em presídios e delegacias, o não-respeito aos 45 dias
de internação provisória e medidas socioeducativas
que privilegiam o aparato repressivo e punitivo,
revelando a incapacidade institucional de contribuir
para que o adolescente seja capaz de reconstruir um
projeto de vida alternativo.”

Violência e exploração sexual
A proteção e acolhimento às crianças e adolescentes
vítimas de violência é o objetivo do
projeto“Bem me Quer”, da Agenda Social, com verba
de US$ 2,2 bilhões até 2011. Além de incorporar e
ampliar o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAM), que, de
2003 a setembro de 2008, protegeu 2.024 pessoas
(820 adolescentes e 1.204 familiares) em sete estados
da federação (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Pará e Distrito
Federal) e está em fase de implantação em mais
três (Paraná, Bahia e Alagoas), o projeto atende às
vítimas de exploração sexual. Estimativas da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) apontam a existência de
250 mil crianças e adolescentes nessa situação; o
Guia para Localização dos Pontos Vulneráveis à Exploração
Sexual Infanto-Juvenil ao Longo das Rodovias
Federais Brasileiras, publicado pela PRF em
parceria com a OIT em 2008, registrou 1.918 pontos
com ocorrências comprovadas de exploração sexual.
Em 2008, o Disque 100 — desde 2003 a principal
ferramenta para monitorar e combater a violação
dos direitos de crianças e adolescentes, entre elas a
exploração sexual — registrou por dia, em média, 94
denúncias desse tipo de violação; em 2006, a média
era de 68 denúncias por mês.
A experiência brasileira foi destacada pelo III
Congresso, tanto por construir políticas públicas
com base na intersetorialidade — no caso do governo
federal, 12 ministérios envolvidos —, quanto
por buscar a responsabilidade sociais das empresas,
como a rede hoteleira, companhias de transportes e
centrais de abastecimento. Na abertura do evento,
o presidente da República sancionou, sem vetos, o
Projeto de Lei nº 3773/2008, que qualifica a posse e
o armazenamento de material pornográfico envolvendo
crianças e adolescentes como pedofilia, passível
de condenação de quatro a oito anos.

“Caminho pra Casa”
Outro projeto prioritário da Agenda Social é
o “Caminho pra Casa”, que busca retirar dos abrigos
as crianças e os adolescentes internados que
não precisariam estar ali, não fosse a situação de
pobreza da família. Segundo a SPDCA, cerca de
30% das crianças abrigadas têm famílias e não são
vítimas de maus-tratos e abusos que inviabilizariam
a convivência doméstica, mas os pais não têm como
sustentá-las.
O projeto propõe-se criar condições para que essas crianças
voltem a seus lares, incluindo as que estão em situação
de rua. O aporte financeiro emergencial para
as famílias e a inclusão prioritária nos programas
de transferência de renda estão entre as principais
ferramentas do projeto, que também prevê o
reordenamento físico dos abrigos e a qualificação
de profissionais para estimular o desenvolvimento e
a autonomia de crianças e adolescentes, bem como
proteger o direito à convivência familiar e comunitária.
Entre essas ações, estão a construção de
pequenas casas-lares que permitam manter juntos
grupos de irmãos e a criação de moradias coletivas
para jovens abrigados.
Outras medidas, como o programa “famílias acolhedoras”,
foram pensadas para proteger as crianças
que não têm família ou não podem realmente
conviver com ela, ainda que temporariamente. Por
fim, a criação de um cadastro nacional de adoção
permitirá acelerar esse processo para crianças que
precisam de uma família substituta, ainda hoje lento
e complicado no Brasil."


quarta-feira, 17 de março de 2010

BRASIL - Direitos Humanos - A realidado do país aos 60 anos da Declaração Universal

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DIREITO DAS MULHERES

Art. 7. Tods são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
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Elas estudam mais, trabalham mais e ganham menos. Mas sua participação avança em todos os setores da sociedade, quebrando resistências e contribuindo para a modernização e a democratização. Porque “sem as mulheres os direitos não são humanos”.

"O primeiro documento internacional a tratar
da proteção aos direitos humanos das mulheres
foi a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (mais
conhecida pela sigla em inglês Cedaw), adotada
pela ONU em 18 de dezembro de 1979. O governo
brasileiro da ditadura militar ratificou o documento
em 1981, mas com reservas, não se comprometendo
com os artigos 15 e 16 — que garantem,
respectivamente, o direito da mulher de se
movimentar livremente e de escolher onde morar,
e a igualdade dos gêneros na relação conjugal. Foi
sem esses dispositivos que a Convenção passou
a vigorar no país, em 1984, até que o Congresso
aprovasse novo decreto retirando as reservas em
1994, um ano depois da II Conferência Mundial
sobre os Direitos Humanos, em Viena.
A Declaração de Viena, adotada pela ONU em
junho de 1993, fez uma defesa veemente dos direitos
humanos da mulher, apoiada em denúncias
de reiteradas violações aos princípios definidos na
Cedaw, comprometendo os Estados-partes (185
países, em 2007) a promover a igualdade entre os
gêneros e combater a violência sexual e doméstica.
O espaço destinado à questão feminina nessa conferência
foi resultado da pressão dos movimentos
feministas por uma declaração específica sobre os
direitos humanos das mulheres, sintetizada na palavra
de ordem: “Sem as mulheres, os direitos não
são humanos”.
No ano seguinte, a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher, promovida pela Organização dos Estados

Americanos (Convenção de Belém do Pará), deu
mais um passo importante ao admitir a responsabilidade
do Estado no combate à violência contra
a mulher também na esfera privada. A Declaração
de Viena só foi promulgada na íntegra no país em
2002, e a Convenção de Belém do Pará, ratificada
pelo Brasil em 1995, foi promulgada em outubro
de 1996.
As ações do Brasil para eliminar a discriminação
contra as mulheres foram reconhecidas pelo
Comitê para Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (órgão executivo
da Cedaw), da ONU, na avaliação do VI Relatório
Nacional do Brasil, em julho de 2007. A forma
participativa como estão sendo construídas
as políticas de igualdade de gênero do país, articuladas
pela Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres (SPM), criada em 2003, também mereceu
elogios do organismo internacional — o I e o II
Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM)
foram elaborados por assembleias que reuniram
mais de 200 mil mulheres no país (veja a entrevista
com a ministra da SPM na p. 80). Ainda
assim, o Cedaw recomendou “que se acentuem os
esforços para eliminar a lacuna entre a igualdade
de jure e de facto das mulheres e homens” para
erradicar a violência social e doméstica contra a
mulher, a desigualdade de gêneros no mercado de
trabalho, e combater a sobrecarga e outros prejuízos
advindos da resistência dos homens em dividir
os afazeres domésticos, combinação de fatores
que levam à menor presença da mulher em todas
as esferas de poder.

Informação anticoncepcional
Também houve queda nos diferenciais de fecundidade
referentes às camadas de menor e maior
renda, embora continue elevado entre as mais
pobres: 48% das mulheres com rendimento mensal
familiar per capita de até meio salário mínimo têm
três filhos ou mais. Ainda assim, o diferencial de
fecundidade entre as mulheres de renda mais baixa
e as mais ricas caiu de 3,3 filhos em 1992 para 2,6
filhos em 2007. O fenômeno se repete quando se
cruzam os dados de fecundidade e escolaridade: a
diferença de filhos entre as mulheres de menor e
as de maior escolaridade caiu de 1,8 filho em 1992
para 1,4 filho em 2007. A redução desse diferencial
pode ser parcialmente atribuída ao acesso à informação
contraceptiva: a Pesquisa Nacional de Demografia
e Saúde (PNDS), do Ministério da Saúde,
realizada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento) entre 2006 e 2007, mostra que
99,9% das mulheres em idade fértil sabiam como
evitar a gravidez de forma adequada, percentual
que atingia os 100% entre as mulheres sexualmente
ativas sem parceiros fixos. O número das que usam
efetivamente algum método contraceptivo subiu
de 73,1% para 87,2% entre 1996 e 2006. O mesmo
fator pode explicar por que o número de partos realizados

pelo SUS em meninas de 10 a 19 anos caiu
26,7% entre 1997 e 2007, de acordo com dados do
Ministério da Saúde, apesar de cada vez mais mulheres
decidirem começar a vida sexual mais cedo.
Ainda assim, até julho de 2008, foram realizados
275.892 partos pelo SUS em jovens e adolescentes
nessa faixa etária.
A pesquisa do Ministério da Saúde aponta ainda
outros avanços no que se refere à saúde reprodutiva.
Em 1995, a média de consultas de pré-natal
para cada parto realizado no SUS era de 1,2 consulta;
em 2007, esse número já era de 5,7 consultas
de pré-natal para cada parto6. Entre as mulheres
que vivem no meio rural, o número das que não
fizeram o pré-natal caiu de 31,9% para 3,6% de
1996 a 2006.

Mães mais informadas
Entre 1996 e 2006, o percentual de crianças
entre zero e cinco anos com desnutrição crônica
caiu mais de 40% (de 13,5% para 6,8%). A queda foi
maior no quinto mais pobre da população, passando
de 30% para 11%. Nesse mesmo período, o percentual
de filhos de mães com menos de quatro anos de
escolaridade baixou de 28% para 11% das crianças,
e o percentual de filhos de mães com pelo menos
oito anos de escolaridade subiu de 32% para 62%,
outro sinal da crescente escolarização das mulheres.
Nesse quesito, aliás, as mulheres vêm sobressaindo,
principalmente as que fazem parte da população
economicamente ativa em áreas urbanas,
que têm, em média, nove anos de estudo — um ano
a mais do que os homens. Em 2007, as mulheres superavam
percentualmente os homens entre o grupo
de trabalhadores ocupados com mais de 12 anos de
estudo e entre os estudantes do nível superior: com
exatamente os mesmos 57,1% de representação nas
duas situações, segundo a Síntese dos Indicadores
Sociais do IBGE, 2008.
No Nordeste — onde a queda da taxa de desnutrição
atingiu o maior índice regional, de 22% para
6%, os números também revelam evolução na situação
da mulher. No Piauí, por exemplo, elas estudam
quase dois anos a mais do que os homens, anota o
IBGE e conclui: “Vale a pena observar que mesmo
nas regiões onde os valores culturais são reconhecidamente
mais tradicionais, as mulheres têm se
destacado em termos de escolaridade e na condição
de pessoa de referência das famílias. No Norte e no
Nordeste, a proporção das mulheres nessa condição
é de 34,7% e de 32,1%, respectivamente”.
Chefes de família
O percentual nacional de mulheres que ocupam a
posição de “pessoa de referência da família” (expressão
que substitui no IBGE o coloquial “chefe da família”)
está em ascensão desde a última década — entre
1997 e 2007 passou de 24,9% para 33%, o que
representa 19,5 milhões de famílias encabeçadas por
mulheres8. Mais da metade (52,9%) das famílias monoparentais
(com apenas um dos pais em casa) está
nessa condição. Em 1997, apenas 2,4% das famílias
formadas por casais com filhos — que correspondiam
a 57% do total de famílias brasileiras — eram chefiadas
por mulheres; em 2007, embora tenha caído o
número de famílias compostas por casais com filhos
— para 51,6% do total —, a proporção das mulheres
que as chefiam subiu para 11,2%. Computados os
números também de arranjos de casais sem filhos, as
mulheres chefiam 4,1 milhões de famílias9.
De acordo com o mesmo estudo do Ipea, o aumento
da responsabilidade da mulher pelo sustento
da família está relacionado a uma série de fatores,
destacando-se dois: longevidade feminina aliada ao
envelhecimento da população (em quase 27% das
famílias chefiadas por mulheres, elas têm acima de
60 anos e moram sozinhas); e o aumento da participação
das mulheres no mercado de trabalho — em
1992, 43,4% das mulheres se encontravam ativas,
número que subiu para 46,7% em 2007, enquanto a
taxa de atividade masculina no mesmo período caiu
de 72,4% para 67,8% —, com consequente aumento
da contribuição das mulheres à renda familiar
— entre 1992 e 2007, esta passou de 30,1% para
39,8% —, principalmente entre as casadas, grupo em

que a proporção da contribuição na renda passou de
39,1% para 62,5%.
Ainda assim, os homens resistem a compartilhar
com as parceiras a responsabilidade pela casa e pelos
filhos, como observa o Ipea: “Apesar de a mulher
brasileira estar assumindo o papel de provedora, ela
continua sendo a principal responsável pelo cuidado
doméstico, o que não representou variações expressivas
no período”. O mesmo estudo mostra que a
proporção de mulheres ocupadas que se dedicavam
a afazeres domésticos em 2007 era de 89,6%, e a
dos homens ocupados, 50,4%. Ainda mais contundente
é a diferença entre o tempo despendido nos
afazeres domésticos pelos ocupados de ambos os sexos:
22,2 horas semanais para elas contra 9,6 horas
para eles. Mesmo entre os casais em que a mulher
está ocupada e o homem não, elas gastam mais
tempo com o trabalho doméstico do que eles: 24,19
horas semanais contra 15,16 para eles.
O estudo também assinala que, apesar das
transformações na estrutura da família brasileira,
esta continua a ser “a esfera social mais refratária
e resistente em direção à igualdade entre homens
e mulheres”. O sinal mais trágico da persistência
da dominação masculina nas relações familiares
de gênero é a violência doméstica, que continua a
atingir cerca de 20% das brasileiras — declaração
espontânea obtida por pesquisa da Fundação Perseu
Abramo em 2001. Mesmo com a subnotificação, as
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
registraram uma média de 400 mil boletins de
ocorrência por ano entre 2003 e 2005, número que
deve crescer com a aplicação da Lei Maria da Penha,
aprovada em 2006 e considerada uma das maiores
conquistas do movimento das mulheres (veja reportagem
sobre a Lei na p. 82).

Discriminação no mercado de trabalho
Um estudo do Pnud que investigou em 2006 a
diferença entre a média salarial por hora de homens
e mulheres ao longo da vida profissional em três
países — África do Sul, Brasil e Tailândia — constatou
que no Brasil o salário médio das mulheres entre
15 e 25 anos supera o dos homens em 10%. A partir
dos 26 anos, quando elas assumem casamento e

maternidade, eles passam a receber proporcionalmente
cada vez mais, atingindo o ápice do diferencial
na faixa de 46 a 55 anos. O estudo faz duas
sugestões, incorporadas às políticas públicas brasileiras:
que os governos subsidiem as creches como
forma de aumentar as oportunidades profissionais
das mulheres e encorajem as meninas a seguir
profissões em áreas como ciências e matemática,
mais bem remuneradas e ainda predominantemente
masculinas."

BRASIL - Direitos Humanos - A realidado do país aos 60 anos da Declaração Universal

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DIREITO DOS QUILOMBOLAS

Art. 7. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.


Há 3,5 mil comunidades remanescentes de quilombos espalhadas por 24 estados da federação; apenas 150 delas têm títulos de propriedade da terra em que vivem. O Programa Brasil Quilombola busca acelerar a titulação e preservar esse patrimônio cultural.


"O que define os quilombolas, é uma
identidade étnica, fruto de uma ancestralidade
comum, práticas políticas, religiosas, sociais, “um
processo de autoidentificação bastante dinâmico
que não se reduz a elementos materiais ou traços
biológicos distintivos, como cor da pele, por
exemplo. Como nos quilombos ancestrais, eles
também se organizam em torno do uso comum da
terra, o que caracteriza as relações na comunidade
e perpetua a cultura do grupo.

Daí a importância do território para essas comunidades,
direito reconhecido pelo texto constitucional
e colocado em prática pela primeira vez
em 1995, quando foi concedido o primeiro título
de propriedade quilombola — sobre terras antes
registradas como pertencentes à União — à comunidade
de Boa Vista, em Oriximiná (PA). A titulação
ocorreu a partir da Portaria n. 307 do Incra, de 22
de novembro de 1995, ou seja, dois dias depois do
encerramento do I Encontro Nacional de Comunidades
Negras Rurais Quilombolas, em Brasília, quando
a Marcha Zumbi de Palmares reuniu 30 mil pessoas
na Praça dos Três Poderes.

Embora a portaria atendesse à pressão do movimento
negro ao determinar a titulação das terras
quilombolas, ela não especificava de maneira detalhada
o procedimento a ser adotado. Foi formado
um Grupo de Trabalho para coordenar as ações do
Incra e de outros órgãos, como a Fundação Cultural
Palmares, Institutos de Terras Estaduais e o Ministério
Público, e propor normas para a titulação. Entretanto,
de 1995 a 2002 foram concedidos apenas
títulos a terras quilombolas, a maioria deles por
órgãos estaduais. Sob pressão do movimento negro,
Pará, Maranhão, Bahia, São Paulo e Mato Grosso estabeleceram
legislação própria e concederam títulos
a comunidades quilombolas. Dos 97 títulos concedidos
a terras quilombolas, beneficiando 150 comunidades,
até agosto de 2008, 62 foram emitidos por
órgãos estaduais.

A Fundação Palmares já cadastrou 1.252 comunidades
negras, rurais ou não (já que algumas
acabaram engolidas por grandes cidades, como é o
caso do Quilombo da Família Silva, em Porto Alegre),
que se reconhecem como quilombolas. O critério
adotado segue as recomendações da Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada
pelo Congresso brasileiro em 2002.


A política do governo para as áreas remanescentes
de quilombos — que contempla da titulação das
terras às ações de proteção e desenvolvimento das
comunidades — foi consolidada no Programa Brasil
Quilombola, lançado em maio de 2004, na comunidade
de Kalunga, em Goiás, uma das mais antigas
e mobilizadas. Governo e movimentos sociais
estabeleceram como meta do programa “estimular
o desenvolvimento e apoiar as associações representativas
destas comunidades — objetivos estratégicos
que visam ao desenvolvimento sustentável destas
comunidades”. Coordenado pela Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir), órgão que articula as políticas afirmativas
do governo em conjunto com o movimento negro, o
programa conta com a participação de 21 órgãos da
administração pública federal e organiza-se em torno
de quatro eixos: regularização fundiária, infraestrutura
e serviços, desenvolvimento econômico e
social, controle e participação social.
Em novembro de 2007, a Seppir passou a coordenar
também a Agenda Social Quilombola
(ASQ) para colocar em prática, até 2010, políticas
de assistência (saúde, educação, moradia, eletrificação,
assistência social, recuperação ambiental
e desenvolvimento local) em 1.739 comunidades
remanescentes de quilombos, de 22 estados, em 330
municípios. Para garantir a execução dessas ações,
foram instalados 13 Comitês Gestores Estaduais (até
setembro de 2008), que trabalham sobre os quatro
eixos do Programa Brasil Quilombola organizando
uma série de ações.
Paralelamente, o governo atua para recolher
dados sobre a população quilombola, ainda insuficientes
para dimensionar seus problemas, como
acontece com a maioria das comunidades tradicionais
no país. A Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,
lançada em 2007, prevê a realização de um mapeamento
dessa população, mas os poucos indicadores
disponíveis mostram que as comunidades sofrem
dos males da pobreza, com taxas de desnutrição
infantis superiores às das regiões mais pobres do
país10, e da ausência do Estado: faltam escolas, saneamento
básico, assistência à saúde, extensão rural.
Por outro lado, já é possível constatar o impacto
de programas sociais que estão chegando a essas
comunidades: em 2006, 52% das famílias pesquisadas
na Chamada Quilombola, promovida pelo
Ministério da Saúde durante uma campanha de
vacinação, tinham acesso ao Bolsa Família (a meta
é que 33.500 famílias sejam beneficiadas até 2010)
e também são altos os índices de eletrificação rural
— através do Programa Luz para Todos, pretende-
se zerar o déficit existente até o final de 2009."

quinta-feira, 11 de março de 2010

BRASIL - Direitos Humanos - A realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal

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DIREITO À IGUALDADE RACIAL

Art. 2. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião…
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A desigualdade social de brancos e negros continua significativa, como mostra a comparação dos índices de educação, emprego, renda, saúde e justiça entre os grupos raciais. Para reduzi-la, é preciso investir em ações afirmativas e políticas compensatórias.


"Em 2008, ano em que a Lei Áurea — marco do
fim da escravidão no Brasil — completou 120 anos,
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
divulgou um estudo1 mostrando que nesse ano
o Brasil tinha voltado a ser um país com maioria
negra — mais de 50% da população preta ou parda,
conforme a convenção adotada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, o que
não acontecia desde o início do século 20. Longe
de registrar apenas uma curiosidade demográfica,
os números contam uma história de racismo
e opressão, que só a partir da redemocratização
brasileira, em 1985, passou a avançar lentamente
em outra direção.
A partir de 2001, “há, pela primeira
vez, uma tendência de redução dos diferenciais
na renda”, conforme o documento do Ipea. O principal
fator a contribuir para reduzir os diferenciais, a um
ritmo de 0,04 ponto ao ano, é a expansão das políticas
públicas universais, principalmente aquelas voltadas
para o incremento de renda dos mais pobres, estabelecidas
a partir de 2003: aumento do salário mínimo
(o que afeta também as aposentadorias), ampliação
do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa
Família."

quarta-feira, 10 de março de 2010

BRASIL - Direitos Humanos - A realidado do país aos 60 anos da Declaração Universal

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POBREZA E DESIGUALDADE NA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

Art. 25. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusivealimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos…

O Brasil ainda é um país bastante injusto socialmente. Mas a velocidade com que a desigualdade de renda vem caindo desde 2001 é superior à verificada nos Estados Unidos, Inglaterra e Suécia, segundo o Ipea.

"O debate sobre se o país atingiu ou não o “círculo
virtuoso” perseguido pela política econômica
brasileira nos últimos anos ainda está aberto, mas
um consenso parece estar se fortalecendo: a passos
largos, o país está abandonando o título de campeão
da desigualdade, ostentado, sobretudo, durante
as décadas de 1980 e 19901. Entre 2001 e 2007,
ano da última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio, do IBGE) disponível, o índice de Gini2
do país passou de 0,593 para 0,552, de acordo com
o comunicado à Presidência número 9 do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada)."

BRASIL - Direitos Humanos - A realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal

.

Os 60 anos da Declaração (...)

* Por Fabio Konder Comparato


Como se percebe da leitura de seu preâmbulo,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi
redigida sob o impacto das atrocidades cometidas
durante a Segunda Guerra Mundial. A revelação
desses horrores só começou a ser feita — e de forma
muito parcial, ou seja, com omissão de tudo o que se
referia à União Soviética e dos vários abusos cometidos
pelas potências ocidentais durante a guerra
— após o encerramento das hostilidades. Além disso,
nem todos os membros das Nações Unidas, à época,
partilhavam por inteiro as convicções expressas no
documento: embora aprovado por unanimidade, os
países comunistas (União Soviética, Ucrânia e Rússia
Branca, Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia), a Arábia
Saudita e a África do Sul abstiveram-se de votar.
Tecnicamente, trata-se de uma recomendação
que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos
seus membros (Carta das Nações Unidas, art. 10).
Nessas condições, sustentou-se, originalmente, que
o documento não teria força vinculante.
Essa interpretação, porém, pecava por excesso de
formalismo e acabou sendo abandonada. Ao julgar,
em 24 de maio de 1980, o caso da retenção, como
reféns, dos funcionários que trabalhavam na embaixada
norte-americana em Teerã, a Corte Internacional
de Justiça declarou que “privar indevidamente
seres humanos de sua liberdade e sujeitá-los a sofrer
constrangimentos físicos é, em si mesmo, incompatível
com os princípios da Carta das Nações Unidas
e com os princípios fundamentais enunciados na
Declaração Universal dos Direitos Humanos”1.
A Declaração abre-se com a afirmação solene
de que “todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos; são dotadas de razão e consciência
e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade” (artigo I).
Reconheceu-se, assim, na sequência das primeiras
declarações nacionais de direitos, a americana
e a francesa, o princípio da igualdade essencial de
todo ser humano em sua dignidade de pessoa.
No curso da segunda metade do século 20, no
entanto, tornou-se evidente, no mundo todo, que o
princípio da igualdade essencial dos seres humanos
deve ser complementado com o reconhecimento do
chamado direito à diferença.
O pecado capital contra a dignidade humana
consistiu sempre em considerar e tratar o outro
— um indivíduo, uma classe social, um povo — como

inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero,
costumes ou fortuna patrimonial. Sucede que
algumas diferenças humanas não são deficiências,
mas, bem ao contrário, fontes de valores positivos e,
como tais, devem ser protegidas e estimuladas.
À luz desse princípio, a Unesco afirmou, na Declaração
sobre Raça e Preconceito Racial, aprovada
em 27 de novembro de 1978, que “todos os povos
têm o direito de ser diferentes, de se considerar diferentes
e de ser vistos como tais”. Em 2005, a mesma
Unesco aprovou a Convenção Universal sobre a
Proteção e a Promoção da Diversidade Cultural e das
Expressões Artísticas.
Quanto ao princípio da liberdade, a Declaração
Universal de 1948 o desdobra em direitos políticos e
direitos civis. Os primeiros compreendem não apenas
o direito de eleger representantes, mas também o de
“tomar parte, diretamente, no governo de seu país”
(artigo 21).
Como se percebe, já em 1948 reconhecia-se que
a soberania do povo só se torna efetiva quando a
eleição de governantes é complementada com o
livre funcionamento de instituições da democracia
direta ou participativa.
A especificação das liberdades civis é feita nos
artigos 8 (direito de acesso à Justiça) e 9 (“ninguém
será arbitrariamente preso, detido ou exilado”);
bem como nos artigos 15 a 20 (direito de ter uma
nacionalidade; liberdade de contrair matrimônio e
fundar uma família; direito de propriedade; liberdade
de pensamento, consciência e religião; liberdade
de opinião e expressão; liberdade de reunião e
associação).
Finalmente, o princípio da solidariedade está
na base dos direitos econômicos e sociais, que a
Declaração consagra nos artigos 22 a 26. Trata-se
de exigências elementares de proteção às classes ou
grupos sociais mais fracos ou necessitados. Sucedeu,
porém, que, a partir do último quartel do século 20,
o movimento de globalização capitalista, apoiado
na propaganda universal do chamado neoliberalismo,
enfraqueceu sobremaneira, em quase todos os
países, o conjunto desses direitos.
À época do imediato pós-guerra, mal começava
a fazer-se o reconhecimento de duas novas espécies
de direitos humanos: dos povos e da própria
humanidade.
Os primeiros direitos dos povos, reconhecidos
internacionalmente, foram o de autodeterminação
e o direito à vida. O respeito à autodeterminação
dos povos foi declarado como um dos propósitos
fundamentais das Nações Unidas, no art. 1 da sua
Carta de fundação. Quanto ao direito dos povos à
vida, ele foi objeto da Convenção para a Prevenção
e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada no
mesmo mês de dezembro de 19482.
Pelo teor dessa Convenção, as vítimas de genocídio
são grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos.
Esses qualificativos restringem, indevidamente,
a punibilidade dos atos de extermínio em massa.
O século 20 inaugurou a técnica dos massacres de
populações civis por razões puramente políticas,
sem qualquer vínculo com qualificações nacionais,
étnicas, raciais ou religiosas das vítimas. Foi o que
ocorreu, por exemplo, na Indonésia em 1965 e no
Camboja entre 1975 e 1977.
A triste verdade, porém, é que vários casos de
genocídio típico têm se sucedido a partir dos anos
90 do século passado. A guerra civil que opôs os
sérvios aos bósnios na antiga Iugoslávia, entre 1992
e 1995, deixou um saldo de 250 mil mortos e de
quase 2 milhões de pessoas expulsas de seus domicílios.
Em Ruanda, em 1994, entre 500 mil e 800 mil
membros da etnia tutsi e integrantes moderados da
etnia hutu foram exterminados pelos extremistas
hutus. Na região de Darfur, no Sudão, estima-se em
300 mil o número de integrantes de várias minorias
étnicas massacrados desde 2003 pelo governo de
Omar Hassan al Bashir.
Posteriormente à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, outros direitos dos povos foram reconhecidos,
como o direito ao desenvolvimento, à livre
disposição da riqueza e dos recursos naturais do seu
território, o direito à paz e à segurança.
A ideia de que a própria humanidade é, da mesma
forma, titular de direitos humanos surge pela primeira
vez no estatuto do tribunal militar internacional
de Nurembergue, em 1945, que julgou os criminosos
nazistas. Em 1998, a Conferência Diplomática de Plenipotenciários
das Nações Unidas, reunida em Roma,
adotou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional,
com competência para julgar os responsáveis pelos
crimes de genocídio, os crimes contra a humanidade,
os crimes de guerra e o crime de agressão3.
A criação do Tribunal Penal Internacional representa
um marco na história dos direitos humanos.
Pela primeira vez, fixaram-se regras de responsabilidade
penal em escala planetária para sancionar
a prática de atos que lesam a dignidade humana.
Trata-se, sem dúvida, de um primeiro passo, pois
várias grandes potências — como os Estados Unidos,
a Rússia e a China — não subscreveram a convenção.
Mas esse início é irreversível.
Outros direitos da humanidade, já internacionalmente
reconhecidos, têm por objeto a proteção do
patrimônio mundial, cultural e natural; a preservação
do meio ambiente; a exploração do leito do mar,
dos fundos marinhos e seu subsolo, além da jurisdição
nacional; e a preservação do genoma humano.
O que se espera, agora, é que o próprio sistema
de entrada em vigor dos tratados internacionais de
direitos humanos seja aperfeiçoado, admitindo-se
que, uma vez votados pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, eles entrem em vigor imediatamen
te, sem necessidade de ratificação pelos Estados
membros. O argumento de que a assinatura de um
tratado internacional, ou a adesão a ele, é ato do
Estado e não simplesmente do governo não cabe
no caso, pois o ingresso do Estado na organização
internacional já foi objeto de ratificação pelo seu
Parlamento, e esta implicou, obviamente, a aceitação
de suas regras constitutivas.
É de inteira justiça, por conseguinte, que a aprovação
de convenções
sobre direitos humanos seja
incluída na categoria de assuntos a ser decididos por
uma maioria de dois terços, tal como referido no artigo
18, terceira alínea, da Carta das Nações Unidas.
Dispensar-se-ia, com isso, a ratificação individualdos
Estados membros para sua entrada em vigor.

(...)

______ Publicação: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

bem como as publicações que seguintes acerca do tema.


segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internaciona da Mulher



A referência histórica principal das origens do Dia Internacional das Mulheres é a Segunda
Conferência Internacional das Mulheres Socialistas realizada em 1910, em Copenhague, na
Dinamarca, quando Clara Zetkin e outras militantes apresentaram uma resolução com a proposta de instituir oficialmente um dia internacional das mulheres.
Nessa resolução, não se faz nenhuma alusão ao dia 8 de março. Clara Zetkin apenas
menciona, nas discussões, seguir o exemplo das socialistas norte-americanas. É certo que a partir daí, as comemorações começaram a ter um caráter internacional, expandindo-se pela Europa, a partir da organização e iniciativa das mulheres socialistas. Essa resolução e outras fontes históricas intrigaram a pesquisadora Renée Côté, que publicou em 1984, no Canadá, sua instigante pesquisa em busca do elo ou dos elos perdidos da história do Dia Internacional das Mulheres. Outras pesquisadoras também se dedicaram a desvendar essa história.
Renée Côté, em sua trajetória de pesquisa, se deparou com a história das feministas
socialistas dos Estados Unidos que tentavam resgatar do turbilhão da história de lutas dos
trabalhadores no final do século XIX e início do século XX, a intensa participação das mulheres trabalhadoras, mostrar suas manifestações, suas greves, sua capacidade de organização autônoma de lutas, destacando-se a batalha pelo direito ao voto para as mulheres, pelo sufrágio universal. A partir daí, esta pesquisadora levanta hipóteses sobre o porquê de tal registro histórico ter sido negligenciado ou se perdido no tempo.
O que nos fica claro, a partir da pesquisa das fontes históricas, é que a referência a uma greve
de trabalhadoras americanas, ou a manifestações de mulheres, ou a um incêndio com a morte de um grande número de mulheres como sendo a motivação para a criação de um dia da mulher não aparecem registradas nas diversas fontes pesquisadas no período. As fontes pesquisadas são os jornais da época, a imprensa socialista, documentos do movimento de mulheres daquele período. Tampouco a referência a uma data específica, como o dia 8 de março, não consta dos registros das primeiras comemorações.

É fato que houve greves e repressões de trabalhadores e trabalhadoras no período que vai do
final do século XIX até a primeira década do século, 1910, mas nenhum desses eventos até então dizem respeito à origem do dia de luta das mulheres. Tais buscas revelam, para Renée Côté, que não houve uma greve heróica, seja em 1857 ou em 1908, especificamente vinculada à proposta de um dia de luta das mulheres, mas um feminismo heróico que lutava por se firmar entre as trabalhadoras americanas. As mulheres socialistas norte-americanas, organizadas, começaram a celebrar um dia de luta das mulheres, a partir de 1908. Várias fontes históricas encontradas revelam o seguinte:
Em 3 maio de 1908 em Chicago, nos Estados Unidos, se comemorou o primeiro "Woman's
day” (Dia da Mulher), presidido por Corinne S. Brown, documentado pelo jornal mensal The Socialistas Woman, no Garrick Theather, com a participação de 1500 mulheres que "aplaudiram as reivindicações por igualdade econômica e política das mulheres; no dia consagrado à causa das trabalhadoras". Enfim, foi dedicado à causa das operárias, denunciando a exploração e a opressão das mulheres, mas defendendo, com destaque, o voto feminino. Defendeu-se a igualdade dos sexos, a autonomia das mulheres, o direito de voto para as mulheres, dentro e fora do partido.
Já em 1909, o “Woman's Day” foi atividade oficial do partido socialista americano e organizado pelo comitê nacional de mulheres, comemorado em 28 de fevereiro de 1909. O material de publicidade da época convocava o "Woman suffrage meeting", ou seja, um encontro em defesa do voto das mulheres, em Nova York.
Renée Coté apura que as socialistas americanas sugerem um dia de comemorações no último
domingo de fevereiro. Assim, o “Woman's day”, no início, registra várias datas e foi ganhando a adesão das mulheres trabalhadoras, inclusive grevistas e teve participação crescente.
Em 1910, os jornais noticiaram a comemoração do “Woman's day” em Nova York, em 27 de
fevereiro de 1910, no Carnegie Hall, com 3000 mulheres, onde se reuniram as principais associações em favor do sufrágio. O encontro foi convocado pelas militantes socialistas mas contou também com participação de mulheres não socialistas. Também participaram dessa comemoração várias operárias do setor têxtil que há poucos dias haviam terminado uma longa greve, que durou de novembro de 1909 a fevereiro de 1910, terminando 12 dias antes do Woman's Day. Essa foi a primeira greve de mulheres de grande amplitude nos Estados Unidos, denunciando as condições de vida e trabalho, e demonstrou a coragem das mulheres costureiras, recebendo apoio massivo do movimento sindical e do movimento socialista. Muitas dessas operárias participaram do Woman's Day e engrossaram a luta pelo direito ao voto das mulheres (conquistado em 1920 em todo os EUA), mas como se pôde ver, não foi a greve que motivou a criação do woman’s day, como aparece equivocadamente algumas vezes.
Em agosto do mesmo ano, durante a Segunda Conferência de Mulheres Socialistas, Clara Zetkin, dirigente socialista alemã, e outras militantes, propõem que o “woman's day” ou “women's day” se torne "uma jornada especial, uma comemoração anual de mulheres, seguindo o exemplo das companheiras americanas", sem a indicação de uma data específica. Aprova-se, assim, um Dia Internacional das Mulheres, para ser organizado em todos os países, com a reivindicação central sendo o direito de voto para as mulheres. A proposição foi divulgada no jornal alemão “A igualdade”, de 28/08/1910.
Em 1911, o Dia Internacional das Mulheres foi comemorado pelas alemãs em 19 de março e
pelas suecas, junto com o primeiro de maio etc. Enfim, foi celebrado em diferentes datas.
Em 1913, na Rússia, sob o regime czarista, foi realizada a Primeira Jornada Internacional das
Trabalhadoras pelo sufrágio Feminino. As operárias e militantes socialistas russas participaram do Dia Internacional das Mulheres em Petrogrado e foram reprimidas. Em 1914, as principais organizadoras da Jornada ou do Dia Internacional das Mulheres na Rússia estavam presas, o que tornou impossível uma comemoração com manifestação pública.
Já na Alemanha, em 1914, o Dia Internacional das Mulheres foi dedicado ao direito ao voto
para as mulheres e foi comemorado no dia 8 de março, ao que consta porque esta foi uma data mais prática naquele ano. As socialistas européias coordenavam as comemorações do Dia Internacional das Mulheres, em torno do direito ao voto, vinculando-o à emancipação política das mulheres, mas a data específica era decidida em cada país.
Em tempos de guerra, as comemorações do Dia Internacional das Mulheres foram mais
frágeis e esparsas em toda a Europa e o tema da luta contra a guerra ganha espaço na agenda.

Em fevereiro de 1917, na Rússia, manifestações de mulheres tomaram as ruas de Petrogrado.
Eram manifestações contra a guerra, a fome, a escassez de alimentos. Ao mesmo tempo, operárias do setor têxtil entraram em greve. Era o dia 23 de fevereiro (que corresponde ao dia 8 de março no antigo calendário ortodoxo), que se comemorava o Dia Internacional das Mulheres na Rússia. Essas manifestações cresceram, envolveram outros grupos, duraram vários dias, e deram início à Revolução Russa. A mobilização de mulheres precipitou as mobilizações que tornaram vitoriosa a evolução russa.
Alexandra Kollontai, dirigente feminista da revolução socialista, escreveu sobre o fato e sobre
o 8 de março. Diz ela: "O dia das trabalhadoras em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro, no antigo calendário) foi uma data memorável na história (...) A revolução de fevereiro começou nesse dia". O fato também é mencionado por Trotski, dirigente da revolução, na História da Revolução Russa. Trotski conta que o dia 23 de fevereiro (8 de março), era o Dia Internacional da Mulher.

Estavam programados atos, encontros etc. Mas não se podia imaginar “que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a revolução”. Estavam sendo pensadas ações revolucionárias, mas sem data prevista. Mas pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixam o trabalho de várias fábricas e enviam delegadas para solicitar o apoio à greve... “o que se transforma em greve de massas.... todas descem às ruas".
Nessas narrativas fica claro que as mulheres desencadearam as mobilizações, a greve geral,
saindo corajosamente, às ruas de Petrogrado, no Dia Internacional das Mulheres, contra a fome, a guerra e o czarismo. As mobilizações, a revolução foi desencadeada por elementos de base que superaram os temores das direções e a iniciativa coube, em especial, às operárias mais exploradas e oprimidas, as têxteis. O número de grevistas foi em torno de 90 mil, a maioria mulheres.
Renée Côté menciona, por fim, documentos de 1921 da Conferência Internacional das
Mulheres Comunistas onde "uma camarada búlgara propõe o 8 de março como data oficial do Dia Internacional da Mulher, lembrando a iniciativa das mulheres russas". Assim, a partir de 1922, o Dia Internacional da Mulher passou a ser celebrado oficialmente no dia 8 de março.
Essa história se perdeu nos grandes registros históricos seja do movimento socialista, seja
dos historiadores do período. Faz parte do passado histórico e político das mulheres e do movimento feminista de origem socialista no começo do século. Recuperar, retomar e recontar a história do dia Internacional das Mulheres é, também, reafirmar a história das luta das mulheres inserida na luta pela transformação geral da sociedade. É recompor um pedaço da história do feminismo que se apresenta como um elo indispensável da luta das mulheres e da luta socialista. Neste ano de 2010, quando se completam cem anos da instituição do Dia Internacional das Mulheres, é central retomar essa história de luta. A SOF-Sempreviva Organização Feminista e a Editora Expressão Popular publicam em português um estudo detalhado sobre a história dessa data.
O livro As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres, de Ana Isabel Álvarez
González, conta a história desse dia, esclarecendo versões que durante anos deixaram no
esquecimento a luta das mulheres socialistas.
Desencontros, mitos e fantasias. Quantas vezes não ouvimos contar que o Dia Internacional da Mulher foi criado em homenagem a operárias têxteis mortas em um incêndio em 1857, em Nova York. Ou talvez em 1908 ou 1910. Ou mesmo que a comemoração, decidida em 1910 na conferência de mulheres socialistas, escolheu o dia 8 de março para lembrar as operárias mortas em um incêndio. Como vimos acima, a criação do Dia Internacional das Mulheres não tem qualquer vinculação com eventos de greves ou de incêndio ocorrido nos Estados Unidos. Algumas feministas européias na década de 1970 já levantavam dúvidas sobre essas versões e foram sugerindo pesquisas que pudessem desvendar as histórias repetidas sem qualquer evidência.
Em 1911, ocorreu em Nova York um incêndio em uma fábrica têxtil onde morreram mais de
uma centena de trabalhadores, em sua imensa maioria mulheres. Um evento trágico e importante para a história do movimento dos trabalhadores nos Estados Unidos. Nesta data, entretanto, as militantes socialistas já haviam aprovado a criação do Dia Internacional das Mulheres. E o incêndio tampouco ocorreu na data do dia 8 do mês de março. Ao misturar, contar e recontar histórias também se escondeu uma história política, das militantes socialistas. Recuperar os elos perdidos dos fatos e da história enriquece a luta das mulheres. O ciclo de lutas, numa era de grandes transformações sociais, até as primeiras décadas do século XX, tornaram o Dia Internacional das Mulheres o símbolo da participação ativa das mulheres para transformarem a sua vida e transformarem a sociedade.


_____


Referências bibliográficas:
CÔTÉ, Renée. La Journée Internationale des Femmes. Ou les vrais faits et les vraies dates des
mystérieuses origines du 8 de mars jusqu'ici embrouillées, truquées, oubliées: la clef des énigmes. La
vérité historique. Montreal: Les Éditions du Remue-ménage, 1984.
ÁLVAREZ GONZALEZ, Ana Isabel. As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres. São
Paulo: SOF / Expressão Popular, 2010.



Fonte: Texto originalmente publicado no site da SOF em 2001.