sábado, 7 de fevereiro de 2009

Fórum Social Mundial e a Economia Solidária: os desafios para avançar

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Por Paulo Marques¹

Encerrou na tarde de domingo, dia 01 de fevereiro, em Belém, capital do Estado do Pará o 9 Fórum Social Mundial. Mais de 130 mil pessoas de diversas partes do mundo, militantes, ativistas e lutadores sociais participaram das centenas de atividades realizadas em quatro dias no coração da Amazônia brasileira. As atividades autogestionadas foram dividas em 10 objetivos que buscaram abarcar a gama de temas que compõe a pauta do FSM desde seu início em 2001.Ao final do evento a primeira impressão que temos é que a dinâmica e os resultados foram os mesmos das edições anteriores, ou seja, seminários teóricos, exposição de experiências; intercâmbio de informações; agendamento de lutas e mobilizações e a volta dos participantes para sua “aldeia” para tocar suas lutas diárias.Entretanto, se olharmos com mais atenção o que se passa no processo do FSM e do seus protagonistas, ONGs e movimentos sociais, sendo as primeiras as que detém a hegemonia da “direção política” do fórum, é possível identificar que há profundos problemas e divergências de concepção e estratégia sobre o FSM.O sociólogo Emir Sader, integrante do Conselho Internacional do Fórum tem levantado essa questão. Antes do inicio do FSM de Belém em um artigo para Carta Maior ( publicado na íntegra em nosso blog), Sader alertava para a questão da hegemonia das ONGs no controle do Conselho e os problemas que advém desse processo,“a direção continuou em um estrito grupo de entidades brasileiras, dominadas por ONGs. Este foi um limitante original do FSM, dado que o movimento se apoiava centralmente em movimentos sociais – de que a Via Campesina agrupa a parte significativa deles -, enquanto as ONGs – cujo caráter ambíguo, até mesmo neoliberal pela sua definição anti-governamental, mas também com várias delas com ações obscuras no seu sentido, no seu financiamento e nas suas alianças com grandes empresas privadas – se apoderava do controle da organização, imprimindo-lhe um caráter restrito.Com efeito, essa restrição das ONGS mantém, desde os primeiro fórum, uma oposição a governos, a partidos, a Estados, o que estaria, para Sader, bloqueando a capacidade de construção de “um outro mundo possível”, que teria que ser um mundo global, com transformação das relações de poder, do Estado e da sociedade no seu conjunto.Este problema exposto pelo sociólogo Emir Sader em relação ao FSM é muito similar ao que identificamos também no movimento da Economia Solidária ( vide artigos anteriores neste blog), pois as ONGs mantém ainda uma importante presença nos fóruns e redes de Economia Solidária, com a mesma postura de oposição à política, aos partidos e aos Estados, como se fosse possível a construção de uma outra economia e uma outra sociabilidade sem o envolvimento de toda a sociedade.Ao contrário, para usar os termos de Gramsci,compreendemos que tanto a “sociedade civil” como a “sociedade política”, ou seja, os partidos políticos e o Estado são parte fundamental do processo de transformações que sim, são protagonizados pelos movimentos sociais. O que acontece hoje na Bolívia, Equador, Venezuela são reflexos dessa realidade da luta concreta de disputa pelo hegemonia tanto no Estado como na sociedade, para superação do projeto neoliberal. Nessas lutas protagonismo não tem sido de nenhuma ONG mas sobretudo dos movimentos sociais.No seu artigo de balanço deste fórum que encerrou, Emir Sader aponta os desafios que se colocam para o FSM:A partir do momento em que a luta antineoliberal passou de sua fase defensiva à de disputa de hegemonia e construção de alternativas de governo, o FSM passou enfrentar o desafio de se manter ainda sob a direção de ONGs ou passar finalmente ao protagonismo dos movimentos sociais.Esse é o mesmo desafio que vimos pautando neste blog em relação ao movimento da Economia Solidária, ou seja, buscamos pautar nos espaços de discussão, a necessidade de pensar a estratégia política do movimento da Economia Solidária para avançar como projeto estratégico de uma nova sociedade emancipada, ou seja, a necessidade de avançar na articulação com outros movimentos de caráter emancipatório.O problema no processo de avanço político-organizativo do movimento da Economia Solidária é similar ao do FSM. Na medida em que o movimento da economia Solidária mantém-se hegemonizado por ONGs que pouco ou nenhum interesse têm em questionar o sistema capitalista de produção não será possível uma articulação de caráter político e anti –sistêmico que envolva partidos políticos e o tema do poder.Nesse sentido, tanto o FSM como o movimento da Economia Solidária, que é um dos novos movimentos sociais surgidas no âmbito do FSM, necessitam, como sustenta Sader de um outro protagonismo em sua direção:Para isso as ONGs e seus representantes tem, definitivamente, que passar a um papel menos protagônico no FSM, deixando que os movimentos sociais dêem e tônica.O mesmo sustentamos para o movimento da Economia Solidária, corroborando com o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que em uma de suas exposições durante o Fórum sustentou que a prática da Economia Solidária, de conhecemos hoje, já é realizada pelas comunidades e povos originários da América Latina a milhares de anos, assim como pelas comunidades quilombolas, e que, portanto, se queremos construir uma outra economia temos que saber quem são seus protagonistas e incluí-los nessa construção política.Assim como nos outros fóruns a Economia Solidária teve uma quantidade significativa de atividades, debates, seminários, oficinas, conferências. Mas seguindo a dinâmica do FSM, as atividades foram separadas, desconectadas uma das outras e de outras articulações atores e movimentos. A realização de uma atividade da Economia Solidária junto com outros movimentos sociais como foi feito é elogiável, no entanto, insuficiente para uma estratégia de avanço político que requer uma maior organicidade.É muito simbólico o fato de que no FSM encontramos separados o espaço denominado “mundo do trabalho”, organizado pelas centrais sindicais e o espaço da Economia Solidária, como se um não tivesse nada a dialogar com o outro. Ou a Economia Solidária não faz parte do “mundo do trabalho”?O mesmo se pode dizer em relação aos trabalhadores rurais, aos movimentos sociais indígenas e quilombolas; o movimento de mulheres, de juventude entre outros. A Economia Solidária corre o risco, e isso seria um retrocesso , de tornar-se um “segmento” quando na verdade deveria ser o projeto econômico de todos os movimentos anti-capitalistas.A esse respeito resgatamos uma frase do prof. Singer na conclusão do seu livro Uma utopia militante:A Economia Solidária como forma reativa, se for abandonada a própria sorte, tende a ficar marginalizada, pelo pequeno peso econômico. Mas, ela tem um respeitável potencial de crescimento político, se o movimento operário- sindicatos e partidos- apostar nelas como alternativa viável ao capitalismo. Se o movimento operário, que partilha o poder estatal com o capital, quiser alavancar o financiamento público da economia solidária, a cara da formação social vai mudar. Um novo modo de produção pode se desenvolver, este capaz de competir, com o modo de produção capitalista.Ou seja, o FSM seria o palco ideal para essa necessária aproximação do projeto da Economia Solidária com os mais diversos movimentos sociais, principalmente o movimento mais tradicional dos trabalhadores como o sindicalismo urbano e rural, perdido hoje em uma crise sem perspectiva, no qual a única saída proposta é a submissão cada vez maior ao capital. Infelizmente isso ainda não foi possível, o que reforça nosso objetivo de contribuir com esse debate que é estratégico, ou seja, colocar a Economia Solidária no centro da pauta sobre alternativas ao capitalismo.Com esse intuito que construímos no FSM, com a Associação Brasileira de Entidades de Apoio a Economia Solidária-ABESOL no dia 30/01 na Universidade Rural do Pará, o Seminário Internacional Economia Solidária e a Revolução Social Socialista do século XXI, com a participação do prof. Paul Singer; do economista e membro da ATTAC francesa, Thomas Coutrot e da socióloga peruana Rosa Gillén da Rede de Mulheres Transformando a Economia.Esse debate buscou aprofundar os desafios da Economia Solidária na perspectiva de construção de um projeto de sociedade e renovação do socialismo.Foi uma pequena contribuição que a luz da teoria e da prática construída pelo prof. Singer mantém viva nossa utopia militante, elemento central para continuar a luta.
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¹Paulo Marques é pesquisador, doutorando em Sociologia pela Universidad de Granada, mestre em sociologia pela UFRGS e militante da Economia Solidária (Rio Grande do Sul).

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Preço sem Preço



E a vida que se vive é a vida que se pode comprar. Entre tantos semblantes - indivíduos quaisquer - resplandece a diferença. Compra-se a vida e vende-se escancaradamente a morte, ainda que de forma lenta e velada. Ao desdém o amém-cansaço-diário de quem dificilmente apostaria em um porquê justificável da existência de um Deus.
E tão somente a existir, aos solavancos.

Quanto custa o gesto que no hábito de fazer sempre o mesmo desfaz-se em coreografia exaustivamente adestrada?
Quanto custa a forma em que se pode viver, a fôrma em que se pode caber?
Quanto precisaria não custar a vida que se vê obrigada a colocar-se à venda para quem tempo tem de comprar tempo alheio?
Quantas mãos a obrar para a construção de um efêmero e descartável caminhar?
Quanto a vida ainda deve nada custar?

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Por Sócrates Fusinato - coordenador do grupo de pesquisa em Direitos Humanos e professor do curso de Direito da Universidade do Contestado - Campus de Caçador - SC.