segunda-feira, 28 de julho de 2008

Estado de Sítio - Parte III

As próximas publicações serão direcionadas a analise da obra “Estado de Sítio” de Albert Camus. Postarei trechos da dramaturgia, e após, pequenos comentários serão tecidos, para melhor compreende-la.

Dando Continuidade...

"NADA
A ordem foi dada: todos os comandantes de distrito devem fazer seus administradores votarem a favor do novo governo.

PIRMEIRO ALCAIDE
É, mas não é fácil. Há o risco de alguns votarem contra.

NADA
Não se você seguir os bons princípios.

O PRIMEIRO ALCAIDE
Bons princípios?

NADA
Os bons princípios dizem que o voto é livre. Isto quer dizer, serão considerados livremente expressos os votos favoráveis ao governo. Quanto aos outros – para que não existam entraves secretos que poderiam afetar a liberdade de escolha -, serão descontados de acordo com o método preferido: alinhando a parte dividida ao cociente dos sufrágios não expressos em relação a um terço dos votos eliminados. Está claro?

O PRIMEIRO ALCAIDE
Claro, senhor... enfim, acho que compreendo.

NADA
Admiro-o alcaide. Mas, compreendendo ou não, não s e esqueça de que o resultado infalível deste método consiste em contar como nulos os votos contra o governo.

O PRIMEIRO ALCAIDE
Mas o senhor não disse que o voto era livre?

NADA
E de fato é. Apenas partimos do principio de que um voto negativo não é um voto livre. É um voto sentimental, logo, encadeado pelas paixões.

O PRIMEIRO ALCAIDE
Eu nunca tinha pensando assim.

NADA
Porque não tinha uma idéia exata do que é liberdade."

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* [Neste trecho, notamos uma liberdade às avessas e a manipulação da vontade popular. Onde “o direito” à participação popular, não exprime sua autonomia, mas sim a soberania da classe dirigente que impõe à sociedade mecanismos de dominação. Gramsci bem descreveria como o espaço da Sociedade Política“conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão.”
Visto que, a atividade política deveria se colocar sobre duas tarefas: obter o consenso da sociedade civil e mobilização em torno de direções a serem adotadas pela sociedade, para à posteriori, transformar o resultado deste consenso em poder de direção hegemônico na/para sociedade.]

sábado, 19 de julho de 2008

Estado de Sítio - Parte II

As próximas publicações serão direcionadas a analise da obra “Estado de Sítio” de Albert Camus. Postarei trechos da dramaturgia, e após, pequenos comentários serão tecidos, para melhor compreende-la.

Dando Continuidade...


"Luz na casa do Juiz.
VITÓRIA
Não, pai. Você não vai entregar esta velha criada sob o pretexto de que está contaminada pela peste. Já se esqueceu de que ela me criou e que lhe serviu sem nunca reclamar?
O JUIZ
Quem ousaria contestar o que decidi?
VITÓRIA
Você não pode decidir tudo, a dor também tem seus direitos.
O JUIZ
Meu papel é preservar esta casa e impedir que o mal entre. Eu...
DIEGO
Foi o medo que me empurrou para sua! Estou fugindo da peste.
O JUIZ
Não, você não esta fugindo dela, você a carrega consigo. (ele aponta para a marca que Diego tem na axila, que identifica os contaminados). Saia desta casa.
DIEGO
Não, deixe-me ficar! Se me expulsar, vão me misturar com os outros. Será o amontoado da morte.
O JUIZ
Sirvo à lei, não posso abriga-lo aqui.
DIEGO
Servia à lei antiga, você não tem nada a ver com a lei nova (do estado de sítio).
O JUIZ
Não sirvo a lei pelo que ela diz, mas porque é a lei.
DIEGO
Mas e se a lei for o crime?
O JUIZ
Se o crime se converte em lei, deixa de ser crime.
DIEGO
Deve-se punir a virtude, então?
O JUIZ
Até a virtude deve ser punida, caso se atreva a discutir a lei.
VITÓRIA
Pai, não é a lei que o move, é o medo.
O JUIZ
Ele também tem medo.
UM GUARDA
A casa esta condenada por ter abrigado um suspeito.
DIEGO (gargalhando)
A lei é boa, você bem sabe. Mas é recente e você não a domina totalmente. Juiz, acusados e testemunhas – agora somos todos irmãos.

Entram à mulher do juiz, o filho menos e a filha.

A MULHER
Interditaram a porta.
VITÒRIA
A casa está condenada.
O JUIZ
Por causa dele, vou denuncia-lo, e eles abrem a porta.
VITÓRIA
Pai, e a honradez?
O JUIZ
A honradez é um assunto de homens, e não há mais homens nessa cidade.

Ouvem-se apitos, o barulho de uma corrida que se aproxima. Diego escuta, olha enlouquecido para todos os lados e, repentinamente apodera-se do menino.

DIEGO

Olhe, homem da lei! Basta um gesto seu e esmago a boca de seu filho na marca da peste.
VITÓRIA
Isso é covardia Diego.
DIEGO
Não é covardia na cidade dos covardes.
A MULHER (correndo para o juiz)
Prometa! Prometa a esse louco o que ele quiser.
A FILHA DO JUIZ
Não pai, não faça nada, isso não tem nada a ver com a gente.
A MULHER
Não a ouça. Você sabe que ela odeia o irmão.
O JUIZ
Ela tem razão, isto não tem nada a ver conosco.
A MULHER
E você também. Odeia meu filho.
O JUIZ
Isso mesmo, seu filho.
A MULHER
Oh! Você não é homem de ficar remoendo o que já foi perdoado.
O JUIZ
Eu não perdoei. Apenas obedeci à lei que, aos olhos de todos, me fazia pai deste menino.
VITÓRIA
É verdade mãe?
A MULHER
Você também me despreza.
VITÒRIA
Não, mas tudo desmorona ao mesmo tempo. A alma balança

O Juiz da uma passo em direção à porta.

DIEGO

A alma balança. Mas a lei nos sustenta, não é juiz? Todos irmãos! (levanta o menino diante dele.) Você também. Vou dar-lhe o beijo dos irmãos.
A MULHER
Espero, Diego, eu suplico! Não seja como este que endureceu até o coração. Mas ele vai ceder (ela corre para a porta e se pões no caminho do juiz.) Você vai ceder, não vai?
A FILHA DO JUIZ
E por que ele cederia? E o que lhe importa o bastardo, que é o centro das atenções?
A MULHER
Cale-se. A inveja está lhe roendo a alma, e tudo escurece. (ao juiz.) Mas você, você está perto da morte, bem sabe que não há nada e a se deseja nesta terra a não ser o sono e a paz. E não vai conseguir dormir à noite, no seu leito solitário, se deixar que isso aconteça.
O JUIZ
A lei está do meu lado. Ela me dará repouso.
A MULHER
Cuspo na sua lei. E olhe que tenho o direito a meu favor: o direito dos que amam e não querem ser separados; o direito dos culpados ao perdão e dos arrependidos a serem honrados! Sim, cuspo na sua lei. Tinha a lei do seu lado quando pediu desculpas covardes àquele capitão que o desafiou para um duelo? Quando trapaceou para escapar do serviço militar? Tinha alei do seu lado quando convidou para sua cama aquela moça que estava processando o patrão indigno?
O JUIZ
Cale a boca, mulher.
VITÓRIA
Mãe!
A MULHER
Não, Vitória, eu não me calarei. Calei durante todos esses anos. E o fiz pela minha honra e pelo amor a Deus. Mas a honra não existe mais. Um fio de cabelo desse menino, para mim, é mais precioso que o próprio céu. Não me calarei. E vou falar, ao menos para ele, que nunca teve o direito a seu lado; porque o direito –m ouviu bem? – está do lado dos que sofrem, gemem e esperam. Não está, não pode estar, com quem acumula e calcula.

Diego soltou o menino.

A FILHA DO JUIZ
É, são os direitos do adultério.
A MULHER (gritando)
Não estou negando meu erro, vou grita-lo para todo mundo ouvir. Mas sei, na minha miséria, que a carne tem lá seus pecados, assim como o coração tem seus crimes. O que se faz no calor da paixão deve ser perdoado.
A FILHA
Perdão para as cadelas!
A MULHER
Sim! Pois elas têm um ventre, podem gozar e gerar!
O JUIZ
Mulher! Sua defesa não esta consistente! Vou denunciar este homem que causou todo esse transtorno! Faço isso duplamente satisfeito, pois será em nome da lei e do ódio.
VITÓRIA
Maldito seja, disse toda a verdade. Sempre julgou com ódio enfeitado com o nome da lei. Mesmo as melhoers leis adquiriram um gosto amargo na sua boca; a boca azeda de quem nunca amou. Ah! O asco me sufoca! Vamos, Diego, abrace-nos, vamos apodrecer juntos. Mas deixe viver este homem da lei para quem a vida é uma punição.
DIEGO
Largue-me, tenho vergonha de ver até que ponto chegamos.
VITÓRIA
Também tenho vergonha de morrer.
A MULHER
Chegou à hora de os tumores rebentarem. Não somos os únicos. Toda a cidade arde com a mesma febre.
O JUIZ
Cadela!
A MULHER
Juiz!."
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* [Camus, bem elucida através deste dialogo, o escravismo jurídico à soberania totalitarista do estado de sítio, bem como a falta de eqüidade social, na figura do magistrado.
Diante do choque de moralidade em tela, a olhos de sociedade moderna, podemos analisar que o coerente seria não a busca pela anomia, mas uma dominação justa em oposição à ausência de denominação ou a formas injustas de dominação. Onde, todavia, a lei eticamente considerada não deveria estar a serviço da opressão, mas sim, superar o legalismo estreito e positivar as conquistas na direção da vida em abundancia para todos; assim, na busca do sonho, na luta por ele, as vitórias devem ser erguidas à condição de lei e transformada em condutas, sem a outorga de poderes que fragmentem as camadas sociais em classes distintas.]

terça-feira, 15 de julho de 2008

Estado de Sítio - Parte I

As próximas publicações serão direcionadas a analise da obra “Estado de Sítio” de Albert Camus. Postarei trechos da dramaturgia, e após, pequenos comentários serão tecidos, para melhor compreende-la.
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"A SECRETARIA
Sim, isso prova que esta cidade está começando a ser administrada. Estamos convictos de que são culpados. Culpados de serem governados, é claro. Mas é preciso que vocês mesmos se sintam culpados. E não se culparão enquanto não se sentirem exaustos, o resto vai por si.

NADA
Viva nada! Ninguém se entende mais: estamos no instante perfeito!

O CORO

Éramos um povo, agora somos uma massa! Éramos convidados, hoje convocados! Trocávamos o pão e o leite, e agora nos abastecem! Batemos os pés (eles batem os pés.) bate o pé e dizem que ninguém pode fazer nada por ninguém, e que é preciso esperar o lugar que nos foi designado na fila! Para que gritar? Nossas mulheres não têm mais o rosto florido que insuflava nosso desejo. A Espanha desapareceu! Vamos bater os pés! Oh dor! Estamos pisando em nós mesmos! Sufocamos nessa cidade fechada! Ah se pelo menos o vento soprasse..."
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* [Após decretação do Estado de Sítio: Clara se faz a crítica ao recrudescimento do autoritarismo, ao exagero da administração estatal e seus emaranhados burocráticos para com os cidadãos. De bom grado é, trazer a analise para os dias atuais, onde tamanho formalismo se faz presente, massificando o social e tornando os direitos fundamentais burocráticos e eruditos ao ponto da não compreensão].