quarta-feira, 7 de abril de 2010

BRASIL - Direitos Hunanos - A realidade do Brasil aos 60 anos da Declaração Universal

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DIREITO À LIBERDADE DE ORIENTAÇÃO SEXUAL
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Art. 1. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.


Em 2008, a defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) levou milhões de pessoas às ruas das grandes cidades brasileiras. Manifestações respaldam o movimento que busca visibilidade e transformar suas bandeiras em políticas públicas.


"Obter dados exatos sobre o número de homossexuais
no Brasil e conhecer suas dificuldades e aspirações
era quase impossível décadas atrás; mesmo
hoje, com todos os avanços comportamentais na
sociedade, ainda continua uma tarefa difícil. Não é
à toa que, em qualquer parte do mundo, a luta por
visibilidade é um dos eixos centrais do movimento
de lésbicas, gays, travestis e transexuais.
Apesar da falta de estatísticas oficiais, milhões de
brasileiros saem às ruas anualmente em paradas do
orgulho LGBT, conhecidas popularmente como Parada
Gay — a de São Paulo, que é a maior do mundo desde
2004 (veja reportagem na p. 106), reuniu 3,4 milhões
de pessoas na edição de 2008. No país todo, houve
140 paradas e 23 eventos culturais do Orgulho LGBT,
recorde mundial segundo a ABGLT. A comparação
com os números registrados pela InterPride, grupo internacional
de coordenadores de eventos do Orgulho
LGBT, em outros países mostra a força do movimento
brasileiro: 98 paradas nos Estados Unidos, 20 no Canadá,
seis na Alemanha e seis no Reino Unido.
A manifestação pública respalda politicamente o
movimento, que desde 2003 passou a buscar, além
da visibilidade, a transformação de suas bandeiras
em políticas públicas, de acordo com a Associação
da Parada do Orgulho GLBT em São Paulo, fundada
em 1999, reunindo 35 mil pessoas. No ano seguinte,
pela primeira vez o governo brasileiro levou o tema
da discriminação com base na orientação sexual e
identidade de gênero para uma conferência internacional,
a Conferência das Américas, em Santiago,
no Chile, em 2000, preparatória para a Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial
e Intolerância Correlata, que aconteceu no ano seguinte
em Durban, na África do Sul. Em outubro de
2001, entre as primeiras iniciativas do governo brasileiro
para implementar as recomendações da Conferência
de Durban, foi criado o Conselho Nacional
de Combate à Discriminação (CNDC), com a participação
de representantes dos movimentos LGBT.
Em 2003, ano em que o tema da parada foi a reivindicação
de políticas públicas para combater a discriminação
e a violência dirigida aos homossexuais,
CNDC criou uma Comissão Permanente para receber
denúncias de violações de direitos humanos relacionadas
à orientação sexual e identidade de gênero da
vítima e um Grupo de Trabalho destinado a elaborar
um programa nacional contra esse tipo de violência,
que deu origem ao Brasil Sem Homofobia: Programa
de Combate à Violência e à Discriminação contra
LGBT e de Promoção da Cidadania Homossexual. Lançado
em 2004 pela Secretaria Especial dos Direitos
Humanos (SEDH), o programa expressa o compromisso
do Estado brasileiro com a promoção dos direitos
humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais, incluindo o combate à violência. Também
propõe uma série de ações envolvendo 11 ministérios,
número ampliado para 18 pela 1ª Conferência
Nacional GLBT, em Brasília — a primeira do gênero no
mundo, convocada por decreto presidencial para dar
início à elaboração do Plano Nacional de Promoção
da Cidadania e Direitos Humanos LGBT.
O avanço na construção de políticas públicas
para os segmentos discriminados por sua orientação
sexual e identidade de gênero parece rápido,
se consideramos que o primeiro documento do

governo federal a reconhecer a vulnerabilidade
dessa população — o Programa Nacional de Direitos
Humanos — é de 19964. Antes disso, a única vez
que o movimento homossexual recebeu atenção do
governo foi no Programa Nacional de HIV/Aids, do
Ministério da Saúde (MS), elaborado em 1986 — à
época em que os gays eram considerados grupo de
risco. A mobilização do movimento LGBT em torno
de campanhas de prevenção e atendimento solidário
aos doentes contribuiu de forma decisiva para
conter a epidemia, mas o estigma da “peste gay” só
caiu quando as estatísticas de incidência passaram a
registrar mais casos entre os heterossexuais. Infelizmente,
o exemplo de luta e solidariedade dos Gapas
(Grupo de Apoio à Prevenção da Aids) não reduziu
o preconceito contra a população LGBT, que ainda
hoje, frequentemente, se converte em violência.
“Os homossexuais são os mais odiados dentre
todos os grupos minoritários porque o amor entre
pessoas do mesmo sexo foi secularmente considerado
crime hediondo, condenado como pecado abominável,
escondido através de um verdadeiro complô
do silêncio, o que redundou na internalização da homofobia
por parte dos membros da sociedade global,
a iniciar pela repressão dentro da própria família, no
interior das igrejas e da academia, inclusive dentro
dos partidos políticos, das próprias entidades voltadas
para a defesa dos direitos humanos e do poder
governamental”, afirma o antropólogo Luiz Mott5,
um dos mais conhecidos ativistas e estudiosos do
tema no país. Ele lembra que, até 1823, a sodomia
era considerada crime no Brasil — o que ainda ocorre
em outras partes do mundo. Foi só no início dos anos
90 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou
de considerar a homossexualidade uma doença
mental — no Brasil, foi retirada da relação das doenças
pelo Conselho Federal de Medicina em 1985.
Números da violência
Uma série de pesquisas coordenadas pelos
pesquisadores Sérgio Carrara e Sílvia Ramos, em
colaboração com grupos da sociedade civil e de universidades,
entrevistou, entre 2004 e 2006, participantes
das paradas do Rio, São Paulo e Recife — em
torno de 700 pessoas em cada pesquisa.
Considerando-se as três pesquisas, cerca de 70%
dos entrevistados declararam já ter sofrido algum
episódio de discriminação, e perto de 65%, agressão

Entre 30% e 40% das vítimas não relatam a
ninguém as violências sofridas. Um em cada cinco
homossexuais declarou já ter sofrido agressão física
em função de sua condição, mesma proporção dos
que relataram ter sido vítimas de chantagem ou
extorsão — entre travestis e transexuais, mais da
metade diz já ter sido agredida. As lésbicas sofrem
duplamente a violência provocada pela discriminação:
22,4% delas relatam ter sido vítimas de
violência doméstica. Além disso, mais da metade dos
entrevistados (55%) já foi agredida verbalmente.
Cerca de um terço dos entrevistados declarou
ter sido discriminado na escola, 20% em delegacias,
15% em ambiente de trabalho, 10% no serviço de
saúde — mas amigos, vizinhos e familiares ainda
são os principais agressores. Uma ampla pesquisa da
Unesco6, realizada também em 2004 em 14 capitais,
constatou que um quarto dos estudantes entrevistados
não gostaria de ter um colega homossexual na
escola — preconceito que, entre os pais de alunos,
chega a quase 50% em grandes capitais do país.
Os assassinatos de homossexuais, expressão mais
brutal do preconceito, continuam a ocorrer no país.
Levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB)7
encontrou notícias sobre 122 assassinatos de homossexuais
em 2007 — 70% de gays, 27% de travestis e
3% de lésbicas. Em cada cinco mortes, quatro são de
autoria desconhecida. Os números são 30% maiores
do que os de 2006. Nos cinco primeiros meses
de 2008, foram 72 mortes. Muitos deles tornam-se
vítimas do ódio apenas por ousar manifestar abertamente
sua orientação sexual e identidade de gênero.
O adestrador de cães Edson Néris da Silva, assassinado
em 6 de fevereiro de 2000, em São Paulo,
tornou-se personagem emblemático da violência
homofóbica. Ele passeava de mãos dadas com o companheiro,
Dario Pereira Netto, na praça da República,
no centro da cidade, quando ambos foram atacados
por cerca de 30 jovens ligados a grupos de inspiração
nazista. Dario conseguiu escapar, mas Edson foi
espancado até a morte. Logo após o crime, foram
presas 18 pessoas, incluindo duas mulheres. Dez
foram julgadas e condenadas rapidamente a penas
que variam de sete anos a 19 anos e quatro meses de
prisão. Oito acusados serão julgados em 2009.
“O caso se tornou um paradigma. Apesar de não
haver na legislação a possibilidade de condenação
por ódio por orientação sexual e identidade de

gênero, esse foi o pano de fundo do julgamento.
Nesse sentido, foi o primeiro caso do gênero”, diz
o promotor Marcelo Milani, responsável pelo caso.
Durante o processo, houve episódios de intimidação,
como a entrega de bombas no escritório da Anistia
Internacional e ao ativista Beto de Jesus, um dos
fundadores, anos depois, do Instituto Edson Néris,
dedicado à luta pelos direitos dos homossexuais.
Uma das principais demandas do movimento LGBT
no Brasil é, justamente, o projeto de lei que torna crime
a homofobia (PLC 122/06), de autoria da ex-deputada
Iara Bernardi (PT-SP). No fim desse mesmo ano
de 2006 foi aprovado no plenário da Câmara e tramita
no Senado. Pesquisa de opinião realizada em junho
deste ano pelo instituto DataSenado, por telefone,
registrou 70% de aprovação entre os entrevistados8.
A aprovação dessa lei corrigiria uma das raras lacunas
constitucionais no que se refere à defesa dos
direitos humanos: não há menção à orientação sexual
e identidade de gênero entre as formas de discriminação
condenadas pela Constituição de 1988.
Três constituições estaduais (Mato Grosso, Sergipe
e Pará) incluíram a proibição desse tipo de discriminação;
além disso, há legislação sobre o tema em
mais cinco estados (Rio de Janeiro, Santa Catarina,
Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul), mas a
fragilidade dessa proteção ficou evidente quando a
Assembleia Legislativa de São Paulo ameaçou derrubar
a lei estadual, em agosto de 2008. O movimento
LGBT também tenta aprovar há oito anos um
projeto de lei no Congresso que acaba definitivamente
com a criminalização da homossexualidade,
cujos resquícios persistem, por exemplo, no Código
Penal Militar, que em seu artigo 235 prescreve pena
de seis meses a um ano de prisão para quem pratica
“pederastia ou outro ato de libidinagem”.

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