quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Estado de Exceção - Parte I

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Ligar a vida ao direito, e abandonar a vida a ele.
Disso trata a proposta do estado do exceção, onde a lume dos aspectos contemporâneos - o Estado de Direito, afasta-se da vida, uma vez que consta entre a ordem jurídica e o estar vivente, disparamentos em uma distância impar.
"O estado de exceção torna-se a regra, então o sistema jurídico-político transforma-se em uma máquina letal". Disso resulta que o Estado Democrático de Direito (assim positivado constitucionalmente) acaba por excludente masssificador de desvalidos da norma, à sombra da não tutela jurídica-política, e sim, da exceção. Sendo ainda, na afirmação do modelo estatal contemporânea, a articulação do interesse soberano subjacente, determinante de nulação de parcelas sociais - nulidade de quem é anulado.

Desta feita, trago trecho do pensador italiano, Giorgio Agamben:

"O sistema jurídico do Ocidente apresenta-se como uma estrutura dupla, fomada por dois elementos heterogêneos e, no entando, coordenados: um elemento normativo e jurídico em sentido estrito - que podemos inscrever aqui, por comodidade, sob a rubrica de potestas - e um elemento anômico e metajuríddico - que podemos designar pelo nome de auctoritas.
O elemento normativo necessita do elemento anômico para poder ser aplicado, mas, por outro lado, a auctoritas só pode se afirmar numa relação de validação ou de suspensão da potestas. Enquanto resulta da dialética entre esses dois elementos em certa medida antagônicos, mas funcionalmente ligados, a antiga morada do direito é frágil e, em suma tensão para manter a própria ordem, já está sempre num processo de ruína e decomposição.
O estado de exceção é o dispositivo que deve, em última instância, articular e manter juntos os dois aspectos da máquina jurídico-política, instituindo um liminar de indecidibilidade entre anomia e nomos, entre vida e direito, entre auctoritas e potestas. Ele se baseia na ficção essencial pela qual a anomia - sob a forma da auctoritas, da lei viva ou da força de lei - ainda está em relação com a ordem jurídica e o poder de suspender a norma está em contato direto com a vida. Enquanto os dois elementos permanecem ligados, mas conceitualmente, temporalmente e subjetivamente distintos - como na Roma republica, na contraposição entre Senado e povo, ou na Europa mediavel, na contraposição entre podes espiritual e poder temporal - , sua dialética - embora fundada sobre uma ficção - pode, entretanto, funcionar de algum modo. Mas, quando tendem a coincidir numa só pessoa, quando o estado de exceção em que eles se ligam e se indeterminam torna-se a regra, então o sistema jurídico-político transforma-se em uma máquina letal." [1]


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[1] AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção.

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