domingo, 27 de março de 2011

Diálogos

- Uma vez ouvi uma história a que dou crédito: Leôncio, fi lho de Agláion, ao regressar do Pireu, pelo lado de fora da muralha norte, percebendo que havia cadáveres que jaziam junto do carrasco, teve um grande desejo de os ver, ao mesmo tempo que isso lhe era insuportável e se desviava; durante algum tempo, lutou consigo mesmo e velou o rosto; por fi m, vencido pelo desejo, abriu muito os olhos e correu em direcção aos cadáveres, exclamando: “Aqui tendes, génios do mal, saciai-vos deste belo espetáculo!”
- Também ouvi contar isso.
- Essa história, contudo, mostra que, por vezes, a cólera luta contra os desejos, como sendo coisas distintas.
- De fato, mostra.
- Ora já em muitas outras ocasiões sentimos que, quando as paixões forçam o homem contra a sua razão, ele se censura a si mesmo, se irrita com aquilo que, dentro de si, o força, e que, como se houvesse dois contedores em luta, a cólera se torna aliada da sua razão. Mas não creio que digas que ela se associa aos desejos, quando, tendo a razão determinado que não se devia proceder contra ela, alguma vez te foi possível sentir estas reações em ti, nem tampouco nos outros.
- Por Zeus que não!

A República - Platão

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