segunda-feira, 7 de março de 2011

Oscar Wilde

"Tive vontade de dizer ao profeta que a Arte tem uma alma, mas que o homem não a tem. Receei, porém, que não me compreendesse.
- Não, Harry. A alma é uma terrivel realidade. Pode ser comprada, vendida ou trocada. Uma pessoa pode envenená-la ou aperfeiçoá-la. Cada um de nós possui sua alma. Tenho certeza.
- Tem certeza absoluta, Dorian?
- Sim.
- Ah! Então não passa de uma ilusão. As coisas de que estamos absolutamente certos nunca o são realmente. É essa a fatalidade da Fé a e lição da Ficção. Como você está sério! Não fique sério assim! Que temos eu e você a ver com as superstições de nossa época? Nada: nós nos desembaraçamos da crença na alma. Toque alguma coisa, toque um noturno, Dorian, e, enquanto toca, conte-me, conte-me, em voz baixa, como consegue conservar sua juventude. Deve ter algum segredo para isso. Tenho apenas mais dez anos que você e estou enrugado, gasto, minha pele está amarelecida. Você é realmente maravilhoso, Dorian. Nunca esteve tão encantador quanto essa noite. Faz-me lembrar o primeiro dia em que o vi. Você era um pouco mais gordo, muito tímido, mas inteiramente fora do comum. Você mudou, naturalmente, mas não na aparencia. Gostaria de conhecer seu segredo. Para recuperar minha juventude, seria eu capaz de tudo no mundo, menos de fazer ginástica, levantar-me cedo ou ser respeitável. Juventude! Não há nada que se possa comparar a ela! É absurdo falar-se da ignorância da juventude. As únicas opiniões que ouço com respeito são as das pessoas muito mais jovens que eu. Tenho a impressão de que estão na minha frente, pois a vida lhes revelou suas últimas maravilhas. Quanto aos velhos, sempre os contradiço. Faço-o por principio. Se você lhes perguntar sua opinião sobre algo que sucedeu ontem, eles lhe responderão solenemente com palavras e modos de pensar correntes em 1820, quando toda gente usava colarinho alto, acreditava em tudo e não sabia absolutamente nada. Como é delicioso estre trecho que você está tocando! Será que Chopin o compôs em Maiorca enquanto o mar gemia em torno de sua villa e a alva espuma salpicava as vidraças de suas janelas? É maravilhosamente romântico! Felizmente, ainda nos deixaram uma arte que não é imitativa. Não deixe de tocar. Esta noite preciso de música. Tenho a impressão de que você é o juvenil Apolo e eu sou Marsias que o escuta. Também tenho meus desgostos, Dorian, que nem mesmo você conhece. A tragédia da velhice não consiste no fato de ser velho, mas no de haver sido moço. Às vezes, eu mesmo me espanto da minha sinceridade. Ah! Dorian, como você é feliz! Que vida deliciosa tem levado! Soube tirar o máximo prazer de todas as coisas! Soube saborear os frutos mais apetitosos. A vida não teve segredo para você. E tudo passou a seu lado suavemente, como um som musical. Nada pôde maculá-lo: você é sempre o mesmo.
- Não sou o mesmo, Harry.
- Sim; é o mesmo. Gostaria de saber como terminará sua vida.
Não a mutile com renúncias inúteis. Atualmente, você é o tipo perfeito. Não vá quebrar essa perfeição. No momento, você é irrepreensível. Não, não negue. Você sabe que é verdade. E, além disso, não procure enganar-se. A vida não pode ser guiada pela vontade ou pela intenção. A vida nada mais é que um amontoado de nervos, de fibras, de células que se formam lentamente, onde se esconde o pensamento e onde a paixão oculta seus sonhos. Você pode crer que se encontra inteiramente seguro e cheio de forças. No entanto, a simples tonalidade de um aposento, um céu matinal, um perfume singular que você amou um dia e que lhe traz sutis recordações, um verso esquecido de um poema que volta à sua mmória, um ritmo de uma peça musical que você deixou de tocar - digo-lhe, Dorian, que é de coisas assim que depende nossa vida. Browing já escreveu alguma coisa a esse respeito, mas nossos próprios sentidos no-lo fazem adivinhar. Há momentos, quando o perfume de litas blanc se insinua de repente em mim, em que torno a viver o mês mais extraordinário de minha vida. Gostaria de trocar de lugar com você, Dorian. O mundo sempre nos censurou, mas a você sempre adorou. E sempre adorará. Você é o tipo que nossa época procurava e que, todavia, receia ter encontrado. Alegro-me de que você nunca tenha feito nada: nem uma estátua, nem um quadro, enfim, que não tenha produzido coisa alguma à exceção de você mesmo! A vida foi a sua arte. Você é a própria música. Seus dias são seus sonetos.
Dorian levantou-se do piano e passou a mão pelos cabelos.
- Sim, minha vida foi extraordinária - murmurou -, mas não quero que continu assim, Harry. E você não devia dizer-me essas coisas estranhas. Conhece muito pouco de mim. Se soubesse de tudo, afastar-se-ia também de mim. Não se ria. Não se ria, por favor.
- Por que deixou de tocar, Dorian? Volte ao piano e toque novamente aquele noturno. Olhe para a grande lua côr de mel suspensa na escuridão. Lá está ela, esperando que você toque para encantá-la e atraí-la para a terra. Não quer? Vamos então ao clube. A noite foi encantadora e devemos fazê-la terminar do mesmo modo. Existe alguém no White que deseja muito conhecê-lo. É o jovem Lorde Poole, o primogênito de Bournemouth. Já imita suas gravatas e suplicou-me que o apresentasse a você. É uma pessoa deliciosa e faz-me lembrar você.
- Espero que não - disse, tristemente, Dorian Gray. - Mas esta noite estou cansando, Harry. Não irei ao clube. São quase onze horas e quero deitar-me cedo.
- Então fique. Você nunca tocou tão bem quanto esta noite. Sua execução foi maravilhosa. Havia nela uma expressão que me era desconhecida até o dia de hoje.
- É porque vou tornar-me bom - respondeu, sorrindo. - Já estou um pouco mudado.
- Em relação a mim, você não poderá mudar, Dorian - disse Lorde Henry. - Sejamos sempre amigos.
- Todavia, foi você quem me envenenou outrora, por meio de um livro que me emprestou. Não me esqueci. Prometa-me que nunca mais emprestará aquele livro a ninguém, Harry. É pernicioso.
- Meu caro amigo, vejo que você começa a se tornar, com efeito um verdadeiro moralista. Talvez chegue até a ficar como esses convertidos, ou como os pregadores protestantes, que nos previvem contra os pecados que eles próprios estão cansdos cometer. Você é por demais encantador para chegar a tanto. Além do que, seria inútil. Você e eu somos o que somos e seremos o que temos sido. Quanto a ser envenenado por um livro, é qualquer coisa de impossivel. A Arte não tem influencia sobre a ação. Faz desaparecer o desejo de agir. É soberbamente estéril. Os livros que o mundo considera imorais são os que mostram a própria vergonha dele. E isso é tudo. Mas não vamos discutir literatura. Venha buscar-me amanhã. Sairei a cavalo às onze horas. Poderemos ir juntos e depois eu o levarei para almoçar com Lady Branksome. É uma mulher encantadora e quer consultá-lo a respeito de algumas tapeçarias que pretende comprar. Não deixe de vir. Ou prefere almoçar com nossa duquesinha? Ela diz que quase nunca o vê. Será que já se cansou de Gladys? Acho que sim. A agudeza de seus ditos põe os nervos da gente à flor da pele. Bem, de toda maneira, esteja lá às onze.
- Deverei ir realmente, Harry?
- Decerto. O parque está belíssimo. Creio que nunca apresentou tantos lilases, desde o ano em que conheci você.
- Muito bem. Lá estarei às onze horas - disse Dorian. - Boa noite, Harry.
Ao chegar à porta, hesitou por um instante, como se tivesse mais alguma coisa para dizer. Depois suspirou e foi-se embora"

Um comentário:

Mariana disse...

Você é meu orgulho, uma das coisas mais lindas da minha vida, seja lá o que eu tenha feito em minhas outras passagens e paragens pelos círculos, deve ter sido algo bom para ter a honra de ser tua amiga hoje em dia.

Amo você.