quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A Educação Superior e a UnC em Caçador... Boa sorte, Caçador!

O último dia de setembro e os primeiros dias de outubro serão (aliás, estão sendo) determinantes para o futuro da Educação Superior em nossa cidade, naquilo que se refere ao destino da Fundação UnC-Caçador com relação à sua participação na Universidade do Contestado. Até dia 9 próximo – prazo fatal – o Ministério Público do Estado de Santa Catarina quer a posição desta instituição local: se continua com a UnC ou se parte para outra alternativa.
Esta é a nossa 15ª crônica de uma série de 15, que produzimos quase que diariamente nos últimos dias, numa tentativa de mostrar ao público (ao menos àqueles que conseguem nos ler, em mensagens postadas por e-mail e nos blogs ou reproduzidas em xerox, já que nossos escritos foram e estão censurados para publicação) a apreensão que cerca a comunidade acadêmica da UnC de Caçador e a sociedade da cidade de Caçador, pela falta de informações da parte de quem deveria ter mantido os caçadorenses informados, semana a semana, desde março passado.
Nestes escritos, tentamos explicar o que está acontecendo. Essa não seria nossa função, e sim, de um dirigente da parte administrativa da Fundação UnC-Caçador, que foi indicado pela Assembléia Geral para nos representar perante o grande grupo que há seis meses vem discutindo semanalmente o processo... cidadão que, entre um cano e outro, se furtou das discussões e, com isso, não trouxe as propostas para dentro da instituição caçadorense, como deveria ter feito, e não fez até porque não tem afinidade com a comunidade acadêmica e parece ter outros interesses perante a comunidade maior. Bem... este problema é pessoal dele, não nosso. Ele que se explique à sociedade local e à comunidade dos professores, funcionários e alunos.
Então, observamos o afunilamento da questão pela premência da hora da decisão. Claramente, há dois lados: a) um lado, com a quase (digamos assim) totalidade de professores, funcionários e alunos da UnC Caçador, apoiados por importantes segmentos da sociedade caçadorense lúcida, e de acordo com as decisões já tomadas pelas parceiras de Concórdia, Mafra, Canoinhas e Curitibanos, que aceita a “unificação administrativa da UnC”, ainda que com algumas ressalvas, mas entendendo que é necessária e impostergável; b) outro lado, com número inexpressivo de professores (pouco informados), funcionários (que dependem dos patrões) e alunos (com medo de perder bolsas) de Caçador, apoiados por parte dos segmentos representativos da economia empresarial caçadorense (que não estão esclarecidos suficientemente), e sem nenhum apoio dos parceiros na UnC em outras cidades, lado este que não aceita a proposta de unificação e pretende tirar a Fundação UnC-Caçador da UnC.
No meio disso tudo está a NOSSA UNIVERSIDADE DO CONTESTADO, a antiga FEARPE !!! Aliás, aproveitando, queremos cumprimentar o estimado colega Prof. Dr.Guerino Bebber pela sua crônica “Deixem-me viver!” (que circulou em e-mails, também censurada para publicação), escrito com a eloqüência de quem ajudou a instituição a nascer e a se desenvolver, e hoje está triste pela perda dos ideais humanistas que desde 1971 nos colocaram A SERVIÇO DA EDUCAÇÃO em Caçador e no Contestado.
Amigos, ao menos momentaneamente, esta série de crônicas sobre o “processo de unificação acadêmica da Fundação Universidade do Contestado (FUnC) e da Universidade do Contestado (UnC) com a simplificação dos procedimentos pedagógicos, gerenciamentos administrativos e a unificação patrimonial”, termina aqui.
De um jeito ou de outro, pensada ou impensadamente, estudada ou apressadamente, cautelosa ou impulsivamente, medida ou inescrupulosamente, certa ou errada, por seus representantes vinculados, suficientemente esclarecida ou não, a sociedade caçadorense (agora especificamente representada pelo Conselho Curador e pela Assembléia Geral da Fundação UnC-Caçador) apresentará sua decisão à Promotoria de Justiça: se quer que esta entidade permaneça na UnC ou se opta pela sua retirada! O tempo para as propostas e discussões já terminou. Agora, não há outra direção, não existe outro caminho. É sim ou não!
Assim, agradando ou desagradando as partes envolvidas, cumprimos a nossa missão, que foi de informar, esclarecer, narrar, opinar, comentar, criticar, sugerir.
Boa sorte, Caçador!
Nilson Thomé, 30/09/2009.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Conselho Curador da Fundação UnC-Caçador está às escuras

Aproxima-se a almejada “hora da verdade” para a Fundação UnC-Caçador manifestar-se sobre o processo total de unificação acadêmica – pedagógica e administrativa – da Fundação Universidade do Contestado (FunC) e da Universidade do Contestado (UnC), com a simplificação dos procedimentos pedagógicos, gerenciamentos administrativos e a unificação patrimonial, conforme os procedimentos jurídicos que vêm norteando todos os setores envolvidos na nossa Universidade do Contestado.

Providência praticamente idêntica foi tomada já há alguns anos atrás pela Universidade do Oeste Catarinense – UNOESC, quando as unidades de Joaçaba, Videira e Chapecó, e depois as de Xanxerê, São Miguel d’Oeste, Fraiburgo, Capinzal e outras, uniram-se todas em função de uma só instituição... com o sucesso que está aí a olhos vistos.

Todos os demais parceiros de Caçador já se manifestaram favoráveis à adesão ao novo modelo proposto à luz da legislação para a UnC. As comunidades de Curitibanos, Mafra, Canoinhas e Concórdia, trazendo consigo Papanduva, Seara, Porto União e Rio Negrinho, já se pronunciaram oficialmente pelo “sim”, ou como é apregoado, pela “unificação já”. Todos querem uma universidade unida, fortalecida, eficiente e respeitável.

Não há dúvidas que as mudanças radicais previstas para a estrutura de administração da entidade mantenedora provocarão conseqüências em cascata na entidade mantida. Daí porque, o que vier a ocorrer com a “unificação administrativa” da FUnC resultará em profundas alterações na UnC.

O modelo de unificação administrativa proposto para o complexo UnC pela 25ª Promotoria de Justiça da Capital, que está à frente dos trabalhos desde o ano passado, do ponto de vista educacional não é lá aquelas coisas. É inegável que a proposta do Ministério Público contém um plano jurídico que colocará a UnC “dentro da lei” com relação aos procedimentos econômicos, financeiros e patrimoniais; entretanto, alguns fundamentos histórico-filosóficos que regem a educação superior, poderiam ter sido melhor contemplados nas discussões. Mas, se não o foram agora, o serão depois, seguramente.

Em Caçador, a grande maioria dos envolvidos na Fundação UnC e no Campus da UnC já se manifestaram pela unificação. E nem poderia ser diferente. A não adesão de Caçador ao novo modelo significaria a exclusão da Fundação UnC-Caçador da Universidade do Contestado. Já tratamos deste assunto em outras crônicas.

Entretanto... e sempre há um porém nas histórias...

O ABACAXI da tomada de decisão semi-final foi colocada nas cabeças dos ilustres membros do Conselho Curador, que se reunirão nesta quarta-feira 30 de setembro, para analisar (com sabedoria) a questão. Ao final desta reunião espera-se que este conselho emita um parecer, que será levado à Assembléia Geral, onde ali, menos de cem pessoas, representantes da sociedade local, tomarão a decisão final do futuro de Caçador na UnC.

Acontece, amigos, que as informações sobre os problemas, sobre as discussões, sobre as idéias, sobre os projetos, sobre os trabalhos, sobre as decisões, foram simplesmente SONEGADAS por dirigentes da Fundação UnC-Caçador, no decorrer do tempo, aos membros deste honorável Conselho Curador. Aqui, tudo ficou às escuras.

Em sendo assim, a 30 de setembro, o Conselho Curador da Fundação UnC-Caçador, especificamente convocado para este fim, deverá se manifestar sobre o rumo que a Instituição poderá seguir, sem que os membros deste conselho tenham tido a oportunidade de estudar, com tempo hábil, previamente, todas as implicações que a decisão final venha a ter. A Assembléia Geral da Fundação UnC-Caçador, ainda em março, indicou um seu representante para acompanhar todo o processo. Esperava-se que este “representante eleito” participasse dos trabalhos, o que não fez. Omitiu-se. Agora, simplesmente joga a “batata quente” para outras esferas.

Nilson Thomé, 29/09/2009.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Poder Público e poder econômico se pactuam em Caçador


Uma das últimas desinformações vinculadas pela mídia-paga caçadorense, foi que o legislativo municipal como um todo, apresentou se contrário ao processo de Unificação da Universidade do Contestado.

Ao que pese, bem sabemos que o processo de unificação pelo qual a Universidade de Caçador passa, atua feito um divisor de águas: de um lado temos toda uma classe acadêmica hegemônica e organizada em prol do processo de unificação e de outro, um grupo de "dirigentes" transformando citado processo em um balaio de falácias em prol da garantia e defesa singular de seus interesses.

Sabemos ainda que a atual correlação de forças que paira no legislativo municipal potencializa em uma escala de 9 contra 1 à favor da situação e da classe empresariada do município. Porém engessar todo o Poder Legislativo contrário ao processo de unificação é sim, brincar e subestimar a sadia consciência da sociedade caçadorense.

Deste modo, precisamos fomentar os debates em sala de aula bem como com a sociedade caçadorense, criando modos alternativos de vinculação das reais informações pertinentes a isso, pois a universidade deve sim, ser palco de debates e ainda um espaço democratizado de acesso e permanência!

UnC Caçador entra no momento "você decide"


Por Nilson Thome

Soubemos que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, representado pela 25ª Promotoria de Justiça, em reunião da Comissão de Dirigentes do complexo UnC, realizada em Florianópolis no dia 22 de setembro, tomou a decisão de determinar à Fundação UnC-Caçador que realize sua derradeira Assembléia Geral até o dia 9 de outubro de 2009, com a manifestação final sobre o processo de unificação administrativa da entidade mantenedora da Universidade do Contestado – em reunião à qual, mais uma vez, constatou-se a ausência do representante legal eleito em março p.p, por esta Assembléia de Caçador para participar das reuniões (às quais não comparece e/ou manda prepostos comparecerem no seu lugar) esfera onde há meses se discutem e se decidem os passos institucionais rumo à simplificação dos procedimentos administrativos da UnC.Todas as parceiras no empreendimento, a Fundação UnC-Curitibanos, a Fundação UnC-Concórdia, a Fundação UnC-Canoinhas e a Fundação UnC-Mafra, representadas pelas suas autoridades municipais, lideranças políticas, representantes de comunidades, alunos, professores, funcionários, já realizaram suas respectivas assembléias e aderiram ao processo em curso, que optou por unificar administrativamente a UnC, da mesma forma como ela já é unificada pedagogicamente desde 1990.Dirigentes da Fundação UnC-Caçador – da parte administrativa – que estão no poder desde maio de 2006, estão arrastando o processo de simplificação administrativa há um bom tempo, esquivando-se do diálogo franco e aberto com seus parceiros, deixando de comparecer às reuniões do grande grupo, e mantêm esta postura de fugir às responsabilidades sob a alegação de que os outros não querem aceitar as sugestões (sic) de Caçador, a maioria das quais tem sido encaradas como absurdas e sem cabimento. Afirmar para os caçadorenses que, com a UnC unificada, poderá haver aumento de mensalidades escolares, fim da filantropia, saque de patrimônio, desvio de recursos, perda de autonomia universitária e outras besteiras do gênero, é uma estratégia nitidamente terrorista de dirigentes, que desde a última semana passaram a usar instrumentos de força e de coerção contra a comunidade acadêmica, pressionando direta e indiretamente a alunos, funcionários e professores – que constituem a UnC na sua essência – e a disseminar inverdades junto aos membros da sociedade que compõem o Conselho Curador e a Assembléia Geral de Caçador, com o objetivo de obter maioria nestes conselhos... para que Caçador rejeite a unificação.O Conselho Curador e a Assembléia Geral da Fundação UnC-Caçador gozam de relativa autoridade estatutária sobre a Instituição. Relativa, pois a Constituição Federal determina que cabe ao Ministério Público velar pelas fundações, sejam públicas ou privadas. As atribuições de curadoria, de zelo, de acompanhamento e até de fiscalização, concedidas pela Carta Magna aos promotores de justiça, têm seus fundamentos constitucionais.Mesmo assim, entendemos que os poderes públicos, incluindo as promotorias de justiça, de bom alvitre poderiam respeitar as decisões democráticas, desde que estas decisões não resultem em prejuízo social. No nosso caso particular – de Caçador – o Ministério Público poderia acolher a vontade que, parece-nos, seria ela soberana e representativa da maioria da sociedade caçadorense.Se dirigentes administrativos da Fundação UnC-Caçador, trabalhando nos bastidores como já estão, forem mais espertos do que a comunidade acadêmica (professores, alunos, funcionários e boa parte da população envolvida na UnC), convencendo os membros do Conselho Curador e da Assembléia Geral de que a instituição caçadorense deva se posicionar contra sua continuidade na UnC, certamente tirarão a carta da manga e, na mesma hora – até 9 de outubro – apresentarão uma alternativa aceitável, viável, favorável e recheada de justiça social.Em nossas crônicas, temos tentado ponderar e chamar nossa comunidade caçadorense à compreensão do que ocorre. Isso implica em termos o direito de perguntar: Se por 4x1 a UnC regional já se decidiu pela unificação administrativa, então, o que resultaria em caso contrário, ou o que significaria para Caçador a Fundação UnC-Caçador manifestar-se ou decidir-se pelo “NÃO” ao processo de simplificação?
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*Nilson Thomé, Doutor em Educação pela UNICAMP, é jornalista, historiador e professor universitário.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

UnC Caçador, pessoa jurídica de direito privado e interesse...?


Frente a complexidade da sociedade de classes, a esfera ideológica das classes dominantes ganha não só importância com relação à conquista e manutenção do poder, mais também, certa autonomia material, exercida, principalmente, pelos aparelhos privados de hegemonia.

Deste modo, a maioria dos estudiosos dos problemas educacionais que seguem a orientação marxista têm afirmado que à escola está reservada a função de reproduzir desigualdades sociais, na medida em que contribui para a reprodução da ideologia das classes dominantes e comitantemente para a reprodução das próprias classes sociais.

Se refrescarmos um pouco a memória, Gramsci nos diz algo diferente sobre a escola e a sua função: ela pode ser, em certa medida, transformadora, sempre que possa proporcionar às classes subalternas os meios iniciais para que, após uma longa trajetória de conscientização e luta, se organizem e se tornem capazes de “governar” aqueles que as governam .

Porém, todavia e entretanto, essa trajetória de transformação necessária da escola, castra-se, a bel prazer de errôneos modos de condução dos processos relativos à educação, o que torna o bem público denominado EDUCAÇÃO um mero refletor de interesses antagônicos e ainda - infelizmente, palco de reprodução das relações de PRODUÇÃO, ou seja, das relações entre exploradores e explorados.

Sem mais rodeios, quando analisamos a atual conjuntura de algumas de nossas instituições superiores e privadas de ensino, a triste realidade que nos assombra a tranqüilidade é perceber que as mesmas, em grande escala, são “DIRIGIDAS” por pessoas capacitadas meramente na mantença do sistema de produção capitalista, esquecendo por vezes, que o trato com o bem educacional, difere em muito do trato de produção de lucros.

Ante a isso, o que articula essa orientação se faz clara: tratava-se de fortalecer o setor privado e desmontar a educação, tornando cada vez mais distante o sonho de converter a mesma em um instrumento de transformação e emancipação social.

- continua...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Reorganização da UnC: por enquanto 4 x 1

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Frente a mais uma briga que se crava em prol da democratização do ensino superior, publico esse texto, a nível de vinculação à toda a classe estudantil que concorda com o processo de unificação da Universidade do Contestado.

"Entre março e setembro de 2009, as quatro Fundações Educacionais criadas na década de 1970 nos municípios de Curitibanos, Concórdia, Mafra e Canoinhas (mais a Fundação Universitária da Reitoria, esta por elas criada em 1995), através das suas diretorias, conselhos e comunidades, depois de debater publicamente as propostas apresentadas para a solução do problema-comum que as aflige sobre como a UnC deve ser estruturada e administrada, já se manifestaram e tomaram a decisão-igual diante da 25ª Promotoria de Justiça do Estado de Santa Catarina, optando pela “unificação administrativa” como o caminho a seguir a partir de 1º de janeiro de 2010 para que a Universidade do Contestado continue existindo e se desenvolvendo.
Pela nova estrutura, conforme a proposta já acolhida e decidida por 4x1, haverá apenas uma instituição mantenedora – a Fundação Universidade do Contestado (FUnC) – onde cada uma das cinco entidades terá o peso de 1/5, ou seja, cada comunidade-sede de campus (Caçador, Mafra, Canoinhas, Concórdia e Curitibanos) continuará tendo uma representatividade de 20%, entendendo-se que entre as partes formadoras não deve haver diferenças e nem discriminações. Esta norma, aliás, é critério antigo, adotado pela UnC desde sua idealização em 1990, não havendo razões para mudanças agora.
A característica social da UnC será mantida, ou seja, é informado que a instituição deverá continuar sendo sem fins lucrativos, praticando filantropia como se faz hoje no interior das fundações locais, elas, que, antes de serem finalmente extintas, transferirão suas experiências para a FUnC, seguindo as instruções do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS e de outros órgão federais, para a renovação e/ou emissão do necessário certificado. O direito adquirido, principalmente dos alunos da UnC contemplados com bolsas de estudos, terá que ser respeitado. Se algo mudar, esclarece-se, será para melhor.
Os dirigentes das Fundações que já aprovaram a unificação por 4x1, pelo que se viu até aqui, tem manifestado que boa parte dos atuais preços das mensalidades escolares pagas pelos alunos (os valores dos créditos hoje são diferentes em cada campus e para cada curso) estão um pouco elevados e que, gradativamente, serão nivelados para todos os cursos superiores distribuídos nos campi, sendo que serão os valores das mensalidades poderão sofrer reduções na medida em que forem sendo reduzidos os custos de manutenção da nova UnC, principalmente com a redução dos custos dos setores administrativos, segundo as planilhas unificadas e as relações de mercado, à vista dos preços praticados pela concorrência.
Desde 1990, a Universidade do Contestado vem sendo estruturada em “ordenamentos jurídicos” de um lado e no “fio do bigode” de outro lado, como se faz em outros tipos de organizações, inclusive no interior de empresas e das famílias, seguindo uma tradição de vida harmoniosa, solidária e pacífica. Isso implica, por exemplo, no respeito ao que cada um é, tem e representa. Na FUnC, por 4x1, manter-se-á, pois, este mesmo princípio após a unificação, para que o patrimônio de cada uma das fundações, construídos pelas respectivas comunidades, seja mantido onde está hoje, para que se aplique em cada cidade a receita gerada nesta mesma cidade. Isso tem sido assim e não vai mudar.
O novo planejamento para a FUnC e para UnC mostra que ela não será apenas “unificada” administrativamente ou “simplificada” burocraticamente. A partir de 2010 prevê-se que ela será também “profissionalizada” gerencialmente, ou seja, passará a ser conduzida por especialistas na sua área, por educadores qualificados, por professores integrantes do magistério superior, isso tanto no âmbito superior, na reitoria, como na esfera dos campi que a compõem. As comunidades locais continuarão presentes, agora em conselhos consultivos (tipo como são as atuais assembléias das atuais fundações) e onde seus integrantes não poderão receber qualquer tipo de vantagens.
Com essa “profissionalização”, já decidida por 4x1 em Curitibanos, em Mafra, em Canoinhas e em Concórdia (e na Reitoria), espera-se que só quem atue na Educação Superior envolva-se na gerência da organização educacional, ou melhor: pessoas estranhas à Educação não podem tutelar e exercer “poder de mando” na FUnC, na UnC e no interior dos campi."

Nilson Thomé - Campus Caçador/SC
em 18/09/2009.

domingo, 13 de setembro de 2009

ADVOCACIA DE TEMPOS DE CRISE

1. O título dado a este estudo, com o qual desejo prestar homenagem à memória do querido Professor José Joaquim Calmon de Passos, não traduz inteiramente a idéia que pretendo expor em seu texto. Sou, neste aspecto – talvez em todos os demais – ainda moderno. Os atuais doutorandos, por um movimento que imagino inconsciente, dão a suas teses extensíssimos títulos, reproduzindo, suponho que novamente inconscientes o estilo dos juristas antigos. A estética jurídica, ao menos na tradição luso-brasileira, parece ter feito um regresso ao passado.
O mestre de Lobão, o grande Manoel de Almeida e Sousa, deu a seu tratado das execuções o seguinte título: "Tratado enciclopédico, prático, crítico, sobre as execuções, que por sentenças de todos os incidentes nelas, desde o seu ingresso até a última e pacífica posse dos arrematantes, e adjudicatários dos bens executados, e até a última decisão do concurso de credores e sua preferência sobre os dinheiros, produtos dos mesmos bens etc.". Não esqueceu sequer do etc.
Recentemente (1994) Fernando José Bronze, um dos mais importantes juristas portugueses, para sua primorosa dissertação de doutorado, deu-lhe este título: "A metodonomologia entre a semelhança e a diferença (Reflexão problematizante dos pólos da radical matriz analógica do discurso jurídico)".
Apesar da respeitável extensão do título dado à tese, o jurista apressou-se a informar que o título originariamente excogitado – "mesmo depois de provisoriamente estruturado uma boa parte da obra" – alcançava uma dimensão equivalente ao triplo dessa a que ficara reduzido na redação definitiva.
O exemplo naturalmente reproduz-se em outras tantas obras jurídicas modernas. O grande Castanheira Neves, tratando da crise atual da Filosofia do Direito, dá-lhe este título: "A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da Filosofia - Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação".
Entre as duas tendências análogas, ficam os cultores do espírito moderno, do pensamento abstrato, dos que herdaram a cultura do Iluminismo europeu e seu amor pela ordem e pelas uniformidades, próprias das ciências naturais.
O retorno ao passado ou, talvez, a necessidade de superar o formalismo dos títulos vazios, é um fenômeno singular de sociologia jurídica. O que se poderia indicar como pós-modernidade, enquanto revolta, apenas revolta difusa, contra a modernidade, apresenta-se como um retorno aos padrões clássicos. O fenômeno não surpreende, se tivermos presente a quantidade de princípios e institutos do direito comum medieval que vêm sendo reintroduzidos em nosso sistema. Pensemos em dois deles: as tutelas de urgência, especialmente a tutela cautelar, representadas pelas inúmeras tentativas de sumarização das demandas, e o procedimento monitório.

2. O título pretende aludir à crise de toda a civilização ocidental, no momento de sua vitoriosa globalização. Quando percebo as dimensões da crise, especialmente de valores, ainda que esteja muito longe de poder avaliá-la, volta-me à memória o prognóstico de um dos mais lúcidos economistas do século XX, a quem associo as observações de outros eminentes sociólogos contemporâneos. O vaticínio de Joseph Schumpeter fora de que o êxito final do capitalismo seria a sua derrota. Ele não seria vencido por seus inimigos, mas pelo seu definitivo sucesso: "A tese que me esforçarei por estabelecer é a de que o desempenho real e esperado do sistema capitalista se faz de maneira a negar a idéia de seu colapso sob o peso do fracasso econômico; mas seu próprio êxito solapa as instituições sociais que o protegem e 'inevitavelmente' cria condições em que ele não é capaz de viver e que apontam com força para o socialismo como seu herdeiro virtual" (Capitalismo, socialismo e democracia, versão brasileira da edição inglesa de 1979, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1984, p. 87). Do fato de que ele suga, qual parasita, o Estado que o sustenta, insistindo, cada vez com maior veemência, na necessidade de mais e mais liberdade para o mercado, não poderíamos ter exemplo mais significativo e dramático do que a crise global em que estamos navegando, sem ao menos poder dimensionar sua real extensão.

3. Embora Schumpeter tenha advertido para a distinção entre ciência e profecia, para mostrar que as considerações que iria fazer deveriam ser tomadas com as devidas cautelas, impressiona, na evolução do capitalismo a tendência que se tem mostrado irresistível na construção de um mundo homogeneizado, não apenas do mundo econômico mas, especialmente, do mundo cultural. Ora, o sonho de um mundo culturalmente uniforme contraria o próprio sentido de cultura, que necessita, para sobreviver, das diversidades. Sobre esta questão, tive oportunidade de escrever o seguinte: "O sonho, que tem embalado o pensamento dominante, de que, afinal, estaríamos próximos a alcançar o ideal de uma compreensão universal e homogênea da vida e de seus problemas, pela construção de uma visão universal dos processos sociais e políticos é uma suposição inteiramente equivocada, como adverte Boaventura de Souza Santos, aludindo a uma observação de Wallerstein: 'a cultura é por definição um processo social construído sobre a intersecção entre o universal e o particular' " (Globalização ou utopia - obra coletiva, Edições Afrontamento, 3ª edição, 2001, Porto, p. 54, in O seguro e as sociedades cooperativas - Relações jurídicas comunitárias, 2008, Livraria do Advogado, Porto Alegre, p. 13).

4. O objetivo principal destas observações não é falar do que se costuma indicar como "crise global". Quero dedicar-me – naturalmente de maneira muito sumária – à crise da jurisdição brasileira. Claro, esta nossa crise tem como pano de fundo o que acontece no mundo, especialmente nos países "construtores da realidade", os países "formadores de opinião", mais do que isso, formadores de modas e costumes, porque detentores das fontes originárias e sagradas das comunicações virtuais.

5. A opinião dominante entre os juristas brasileiros, diria opinião unânime, não apenas dos especialistas, mas da opinião pública – previamente construída pelos meios de comunicação de massa –, é de que a jurisdição brasileira tem péssimo desempenho, é excessivamente morosa, produzindo, talvez como seu mais grave defeito, a insegurança gerada para todos quanto participam, de uma ou outra forma, do drama judiciário.
Pois a minha contrariedade com a opinião dominante começa por recusar validade a este diagnóstico. Venho sustentando que a jurisdição brasileira – dentro do marco institucional que a concebeu e dos pressupostos que lhe imprimem o sistema – funciona bem. Diria funciona além do que se poderia esperar de uma estrutura anacrônica, ainda dependente dos ideais do iluminismo europeu.

6. Tenho insistido em que os problemas que afligem nossa prática judicial são estruturais, nunca funcionais. Poderíamos sugerir que a falta de percepção para os obstáculos estruturais que tornam inviável a crítica ao sistema, seja uma conseqüência de nossa submissão ao paradigma racionalista, gerador de todas as formas de normativismos contemporâneos. Mas esta explicação é absolutamente equivocada. Esta mesma compreensão teve um eminente professor da Universidade de Lisboa, ao proclamar o seguinte, em excelente ensaio publicado recentemente entre nós:
"Um outro mito que importa desfazer é o de que o Código de Processo Civil é responsável pelas ineficiências que afectam a administração da justiça em Portugal. A verdade é outra: essas ineficiências têm muito mais a ver com a organização judiciária, com as fortes assimetrias regionais quanto à litigância, como a forma como se litiga em juízo e com a qualidade e gestão dos recursos humanos do que com a legislação processual civil. O Código de Processo Civil é sempre aplicado no contexto mais vasto da administração da justiça, pelo que não é possível atribuir-lhe a priori, a responsabilidade total pela ineficiência do sistema" (Miguel Teixeira de Sousa, um novo processo civil português:: à la recherche du temps perdu?" - R. T., Repro, nº 33, julho, 2008, p. 218).
A fidelidade a um determinado paradigma, longe que eliminar o senso crítico daqueles que o operam, estimula-os permanentemente a investigá-lo, para determinar o grau de sua resistência aos eventuais casos excepcionais que possam invalidá-lo. É o importante e indispensável labor que Thomas Kuhn denomina "ciência normal" (A estrutura das revoluções científicas, versão brasileira,1983, Editora Perspectiva, São Paulo, cap. 4, p. 57 e sgts.). O cientista que trabalha no paradigma desconfia de sua validade indefinida ou perpétua. Conseqüentemente, seu espírito crítico estará sempre aguçado e vigilante. Naturalmente, não é o que acontece com a doutrina processual brasileira.

7. Vou relatar um episódio, de que foi protagonista um dos mais brilhantes processualistas italianos, ocorrido recentemente na doutrina daquele país, para compará-lo com o que ocorre entre nós. Em estudo publicado em nossa Revista de Processo (RePro), em março de 2008 (n. 157), Andrea Proto Pisani, mostrava-se visivelmente preocupado com o futuro da Corte de Cassação italiana, por um motivo que ele reputava comprometedor. Trata-se da carga insuportável de feitos atribuídos anualmente a cada Conselheiro, volume esse que vem aumentando constantemente, a ponto de transformar os julgamentos da mais alta Corte do Poder Judiciário italiano numa espécie de "giustizia di serie".

8. Para que se possa comparar o caso italiano com a dramática experiência vivida pelas cortes supremas brasileiras, é indispensável registrar que a sessão civil da Cassação italiana conta com 159 Conselheiros; sendo que destes 134 exercem regularmente a jurisdição e os demais ocupam funções administrativas. As razões para a preocupação manifestada por Proto Pisani tem como causa o vertiginoso aumento do número de feitos que chegam à Corte. Desprezando o número de recursos relativos aos anos 80 do século passado, quando o total anual era pouco mais de oito mil (8.000), chegou-se, no ano de 2005, a cifra recorde de 31.177 processos submetidos à Cassação, dos quais foram julgados 24.776 (Crisi della Cassazioni: la (non più rinviabile) necessità de una scelta, Revista de Processo (RePro), Editora Revista dos Tribunais, vol. 157, p. 262). No ano judiciário seguinte, a Corte julgou 29.641 recursos, resultando pendentes de julgamento 100.609, contra apenas 23.661 não encerrados no ano anterior.
Proto Pisani toma o ano de 2006, como critério para comparar o que ele considera "un dato allucinante", capaz de pôr em risco o futuro da Corte "Si dividiamo il numero di 29.641 ricorsi esauriti con il numero de 134 consiglieri, abbiamo il dato allucinante secondo cui ciascum conseglieri ha redatto in media (sotolineo questo rilievo) circa 220 decisioni nel corso dell´anno" . . . Ora non è esigibile che un símile numero di decisioni siano prese con quella attencioze e qual´approfondimento necessario e indipendenti che dovrebbe essere próprio di un giudice superiore di ultima istanza" (p. 262-263). Proto Pisani compara a situação "allucinante" existente na Cassação italiana com o que ocorre na experiência alemã: "È interessante notare che (secondo dati del 2005) nella Corte federale tedesca ciascuno dei 170 giudici civili ha pronunciato in media solo 80 decisioni, cioè un numero adeguato a consentire quella qualità e quel grado di approfondimento che, come si diceva, dovrebbe essere próprio di ogni magistratura di ultima istanza" (p. 263).

9. Que nos cabe dizer, a respeito dessa "alucinante" condição da Cassação italiana, se a compararmos com a experiência vivida pelas nossas Cortes Supremas? Não pretendo comentar essa questão extraordinariamente surpreendente. Registrei-a com a exclusiva intenção de confirmar que a submissão a um determinado paradigma não embota o senso crítico daqueles que o praticam. Ao contrário, como insiste em mostrar Thomas Kuhn, é precisamente desse senso crítico que se alimenta a chamada "ciência normal", essa classe de ciência submetida ao paradigma, cuja função, porém, é permanentemente testá-lo, para conferir a fidelidade a seus pressupostos.

10. Qual o fator misterioso que torna a doutrina brasileira inteiramente alienada, despida da mais insignificante parcela de senso crítico, capaz de denunciar a alucinante loucura a que submetemos nossos Tribunais Supremos? Qual o misterioso fator que nos permite conviver com uma situação análoga em todos os setores da jurisdição comum, sem que sobre essa anomalia patológica se levante uma voz, sequer, para secundar o gesto de Proto Pisani, ao denunciar o que, para a doutrina italiana, pareceu um "dato allucinante"?
O número de recursos que um magistrado alemão da Suprema Corte julga num ano, nossos Ministros, tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça, julgam em apenas um dia!
Na área dos tribunais ordinários, essas produções "alucinantes", logradas pelos magistrados, chega a ser objeto de comparações e pesquisas estatísticas. Recentemente, a internet noticiou o novo recorde de julgamento de que foi protagonista, no Tribunal Superior do Trabalho, o Ministro Emmanuel Pereira, ao julgar, em um ano, 3.382 recursos. Ninguém assombrou-se com a notícia. É possível que, para a maioria dos leitores, esse feito extraordinário deva ser tomado como exemplo a ser seguido pelos demais magistrados. Realmente, é por esse caminho que pensamos obter a modernização de nossa anacrônica e emperrada jurisdição.

11. Feita essa longa digressão, quero retomar a linha de minha exposição, ligada à crise da jurisdição brasileira. Quem observa o estado lamentável, diria terminal, em que ela se encontra, percebe que nossa doutrina perdeu a capacidade de indignar-se, amoldou-se ao que, para ela, nada mais é do que um "fato natural", contra o qual nada pode ser feito. Esta é, de fato, a decisiva observação de Arthur Kaufmann, ao mostrar a equivalência entre o "Direito Natural clássico" e o Positivismo Jurídico (La storicità del diritto alla luce dell´errmeneutica, na obra "Filosofia del diritto ed ermeneutica", versão italiana, 2003, Giuffrè, p. 54 e sgts.). Assim como o Direito Natural, também o positivismo legislativo é pensado como se as normas e os conceitos que ele constrói não fossem históricos, que devessem permanecer estratificados no tempo. Somos herdeiros e fiéis praticantes do positivismo normativista, que nos legaram processualistas europeus, especialmente italianos. Sucede, no entanto, que as concepções que foram válidas para a sociedade rigorosamente estruturada e homogênea da Europa do início do século XX – tempo em que ainda era possível imaginar que a lei fosse dotada de uma "vontade constante" – tornou-se uma ingênua ilusão, quando tentamos aplicá-las às nossas atuais circunstâncias culturais e políticas. Minha geração ainda conviveu com essa imagem chiovendiana da lei como expressão de uma vontade perene. Encontramo-nos envolvidos por uma sociedade essencialmente hermenêutica, com incontáveis visões de mundo e, naturalmente, obrigados a lidar com uma linguagem dotada de plurivocidade, a exigir permanente interpretação.
Hoje soa como uma leviandade a afirmação de Chiovenda de que "juridicamente, a vontade concreta da lei é aquilo que o juiz afirma ser a vontade concreta da lei" (Instituições de direito processual civil, vol. I, versão brasileira, 2ª edição, 1965, Saraiva, p. 44).
É verdade que Chiovenda fizera essa afirmação para justificar que o eventual erro cometido pelo juiz não autoriza a sustentar que o direito efetivo, mas desconhecido pelo julgador, sobreviva à sentença, nem a afirmar, de modo geral, que antes da sentença não existia direito. Mas, em nossas atuais circunstâncias, dizer que todas as sentenças expressam a "vontade de lei", sugere uma aberta confissão do mais puro decisionismo judicial, próprio, aliás, do positivismo de que tanto Chiovenda, quanto Carnelutti e Calamandrei alimentaram-se.

12. No caso dos sistemas formados a partir do direito romano-canônico medieval, de que é exemplo o processo civil brasileiro, a permanência do mito da "vontade constante" da lei, é potencializado, como fator negativo, pela circunstância de ainda permanecermos fiéis ao pressuposto político de que o juiz não deve interpretar o texto legal, cabendo-lhe apenas a tarefa de "revelar-lhe" o sentido imutável.

13. Qual a causa dessa importante limitação exegética? A causa é facilmente explicável. A jurisdição que nos foi transmitida pela Revolução Francesa tem como exclusiva finalidade a declaração da "vontade da lei", expressa pelo respectivo texto legal. Ou seja, o juiz é um ser carente de vontade. A sentença é pura e simplesmente fruto de uma atividade cognitiva, nunca volitiva.

14. A conseqüência óbvia desta concepção é privarem-se os juízes de produzirem verdadeiras decisões, posto que lhes cabe apenas "declarar" a "vontade da lei". Quem decide será sempre o legislador. Veda-se, portanto, a possibilidade de qualquer discricionariedade no ato de julgamento. A quem apenas julga – sem que o sistema lhe exija, antes de decidir, "decidir-se", entre duas alternativas legítimas – será sempre incabível indagar o "por que" julgou, quais as razões que o levaram a aceitar aquela conclusão. A pergunta pertinente será sempre "como" foi descoberta a "vontade da lei"?
A esta indagação, o julgador responderá fazendo extensas "explicações" de como chegou à conclusão aceita no julgado. Mostrará, inicialmente, que seu sentimento jurídico, desde que tomara conhecimento adequado do caso, o fizera inclinar-se pela solução que afinal tornou-se vitoriosa. A seguir, buscou nas lições dos grandes mestres subsídios que amparassem seu sentimento inicial de justiça, o mesmo fazendo com uma ampla e criteriosa pesquisa jurisprudencial. Este fora o caminho que lhe permitira revelar na sentença a "vontade concreta da lei", como dissera Chiovenda. Todavia, como pondera Sergi Guasch Fernández, "fundamentar ou justificar uma decisão é diferente de explicá-la" (Es hecho y el derecho en la casición civil, Bosch Editor, 1998, Barcelona, p. 447). Nossos juízes "explicam" como descobriram a "vontade da lei", não fundamentam a decisão. Simplesmente não a fundamentam porque sua missão está (estava!) limitada a descobrir – e verbalizar – a "vontade da lei". O sistema concebera uma jurisdição de estilo oracular, a quem não se deve indagar a respeito do "porquê" de suas previsões. Quem tem presente o que ocorreu na Assembléia Constituinte francesa e nos esforços de Napoleão contra os juízes que teimavam em interpretar seu Código, pode avaliar a força desse paradigma. Para que o julgador possa, além de julgar, decidir, será indispensável que o sistema lhe conceda um determinado grau de discricionariedade. Sem discrição que reconheça a existência de, pelo menos, duas soluções razoáveis, igualmente legítimas, não haverá autêntica decisão.
A análise permite-nos tratar, agora, do que eu indico como sendo a "crise da jurisdição brasileira", ou seja, a contribuição local para a crise que envolve o mercantilismo, hoje globalizado e seus reflexos no desempenho de nossa jurisdição.

15. Antes de relacionar os fatores responsáveis pela crise local, que tenta destruir a jurisdição, tal como ela nos foi transmitida pela cultura clássica, temos de ter presente que o Brasil jamais viveu uma autêntica modernidade; não teve oportunidade de construir e conviver com os padrões, as instituições e a própria cultura criados pela modernidade.
De país agrícola, com instituições semi-feudais, foi lançado, no limitadíssimo período de pouco mais de quarenta anos, numa sociedade urbana de massa, empurrando para uma economia moderna de mercado milhões e milhões de seus camponeses, jogados, sem planos ou projetos governamentais, nas encostas das grandes cidades. O Brasil não teve oportunidade nem tempo de consolidar suas estruturas sociais. Uma das conseqüências mais dramáticas criadas por essas contingências está na precariedade de nosso sistema político que, a duras penas, luta para construir uma democracia, mesmo sendo um dos países que apresenta o maior índice de desigualdade social. É compreensível, portanto, que a precariedade do regime político representativo haja sobrecarregado o Poder Judiciário de incumbências que, num sistema democrático bem ajustado, poderiam ser atendidas por outras instituições políticas.

16. A conseqüência mais óbvia das transformações políticas e culturais, não apenas brasileiras, mas de toda a civilização ocidental, foi a profunda transformação ocorrida no conceito de lei, se a compararmos com a lei pensada pelos revolucionários franceses e a lei atualmente existente, que administra o Estado contemporâneo. Numa síntese, sem dúvida redutora do sentido desse fenômeno histórico, pode-se dizer, com Castanheira Neves, que a lei funcionalizou-se, passando a ser um instrumento para finalidades que nada têm a ver com o sentido do Direito, enquanto busca da Justiça do caso concreto. Mas também tornou-se evidente que a crise da democracia representativa, somada a estes fatores as profundas transformações políticas, mas especialmente econômicas, ocorridas na segunda metade do século XX, determinaram que o juízes fossem obrigados a abandonar a ilusão da existência de uma "vontade da lei" que lhes caberia revelar, passando a produzir – naquela antevisão de Chiovenda – a "vontade da lei" pelos juízes concebida para cada caso concreto; ou seja, a conclusão desse processo histórico, colocou-nos ante um sistema arbitrário de decisionismo positivista radical, no qual, como dissera Chiovenda, aquilo que o juiz "afirma na sentença ser a vontade concreta da lei" é realmente a verdadeira vontade da lei.
Passamos a contar, conseqüentemente, com milhares de "vontades da lei" simultaneamente emitidas em todas as instâncias judiciárias, sentenças todas elas muito bem "explicadas" por seus prolatores que, todavia, impedidos pelo sistema de fundamentá-las – pela inexistência de discricionariedade que pudesse legitimar os juízos de razoabilidade – tornaram-se exemplos vivos do mais radical decisionismo normativista. O exercício da advocacia forense participa, afinal, da "sociedade do risco", de que fala Ulrich Beck, em vista da extraordinariamente rápida transformação a que está submetida a "vontade de lei", determinada pelas milhares de sentenças produzidas mensalmente por todas as instâncias judiciárias, entre as quais não será difícil encontrar uma dezena de julgados tidos como "idênticos" ao caso investigado, porém, muito provavelmente, contendo divergências entre si, quando não se oponham frontalmente uma às outras, nesse mesmo grupo de ações "idênticas". É claro que a "era da incerteza" atinge, afinal, em cheio esse elogiado instrumento, concebido pelos filósofos do Iluminismo, que é o direito processual, para ser o guardião da "segurança" da Era Moderna. A vida do advogado tornou-se o que Jon Elster indicou como "juízos salomônicos", para mostrar os reais limites da racionalidade judicial (Juicios salomónicos - las limitaciones de la racionalidad como principio de decisión, Godisa Editorial, Barcelona 2ª edição, 1995, original inglês, University of Cambridge, 1989). Esta é a circunstância paradoxal que obriga o advogado a um equilíbrio instável entre os princípios, zelosamente preservados da "jurisdição declaratória", e as novas realidades decorrentes do decisionismo positivista, liberto da exigência de fundamentação das sentenças que recomenda – mais do que recomenda – impõe que o advogado, ao receber o cliente, mantenha a natural atitude de prudência, evitando emitir opinião sobre o caso, antes de conhecê-lo suficientemente; mas, além disso, haverá de solicitar-lhe o prazo de alguns dias, indispensáveis para que ele se informe da mais recente "vontade da lei", registrada nos últimos dois meses, cuja busca é indispensável fazer nos sites dos tribunais, especialmente dos tribunais superiores. A jurisdição virtual, que já se encontra entre nós, nada tem a ver com a relação entre Direito e Justiça, com que sonhou a cultura da antigüidade clássica e ainda sonham – no discurso retórico – muitos juristas contemporâneos.
Qualquer pessoa perceberá que essa busca da "última vontade da lei" que o advogado fará, nos registros de jurisprudência, de pouco lhe valerá, sabido como é que o julgador – que adotará o mesmo procedimento – tendo formado uma compreensão do caso que o conduzirá a uma solução oposta às esperanças desse advogado, também encontrará, nos incontáveis acervos jurisprudenciais, a solução que irá confirmar seu entendimento. Sem intenção de fazer humor, porque o assunto é demasiadamente grave para a condição do advogado forense, poderíamos dizer que o sistema brasileiro tanto rodou, entre as contingências impostas por um sistema emperrado e obsoleto, que finalmente transformou-se em um sistema jurisprudencial, à semelhança do direito inglês. A "vontade da lei" é "descoberta" exclusivamente através dos registros jurisprudenciais. A doutrina que, seguidamente, ornamenta os acórdãos nada tem a ver com o thema decidendum, se não depois de despida de sua individualidade, de modo a ser inserida na seriação de casos "normatizáveis", porque integrantes de um grupo "homogeneizado". As coisas resolvem-se mesmo pela coleção de acórdãos indicada pelo julgador, às vezes somente pelas ementas, cuja identidade com o caso a ser julgado é, no mínimo, duvidosa, mesmo porque na natureza não existe a igualdade. Existe apenas analogias.

17. O que ficou dito até aqui o foi com a intenção de destacar o sentido desta homenagem. Calmon de Passos, viveu intensamente a vida forense, sem, contudo, abandonar a outra paixão de que jamais abdicou, sua amorosa dedicação ao magistério universitário. Foi um cultor do direito fiel a suas convicções, pelas quais sempre lutou bravamente. O que o faz singular, mais como pessoa humana do que propriamente como um profissional do Direito, é essa virtude especial que o manteve desperto, com o aguçado senso crítico que lhe permitiu ver e compreender nossa realidade, sem jamais poupar, seja por comodidade ou conveniência, os equívocos e erros cometidos pela doutrina e por nossa jurisprudência. Calmon de Passos merece ser saudado pela verticalidade ética de sua conduta, tanto ou mais do que como o jurista que nos legou importantes obras escritas. E, quando me limito a referir sua produção escrita, livros e ensaios, não posso esquecer as encantadoras lições produzidas pelas suas inesquecíveis palestras e conferências.
Ao preparar a redação deste texto, decidi revisitar alguns estudos escritos por Calmon. Dentre os que reli, encontrei este que transcrevo, elaborado em 1987, sob o título "Democracia, Participação e Processo": "Despe-se o processo de sua condição de meio para realização de direitos já formulados e transforma-se ele em instrumento de formulação e realização dos direitos. Misto de atividade criadora e aplicadora do direito ao mesmo tempo. Cuida-se, portanto, de um problema de ordem política, não de algo que encontrará solução no campo da dogmática jurídica. . . . Superação do mito da neutralidade do juiz e do seu apoliticismo, institucionalizando-se uma magistratura socialmente comprometida e socialmente controlada, mediadora confiável tanto para solução dos conflitos individuais como dos conflitos sociais que reclamem e comportem solução mediante um procedimento contraditório, em que a confrontação dos interesses gere as soluções normativas de compromisso e conciliação dos contrários . . . A tarefa é hoje política, ainda que pensada por juristas-processualistas..." (Participação e processo, obra que reúne as conferências relativas Congresso Internacional, realizado na Universidade de São Paulo, sob o Patrocínio do Instituto Brasileiro de Direito Processual, edição Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 95-96). Dou-me conta da lucidez de sua análise quando constato que a compreensão de Calmon continua sendo de absoluta atualidade. No fundo, tudo se reduz ao projeto da modernidade de separar o Direito (que haveria de ser científico) da Política, entregue aos empresários construtores do mundo moderno. O que a lucidez de Calmon percebeu, há mais de vinte anos, tem sido o tema da pauta constante do que tenho, hoje, pensado e escrito. A exegese perdeu inteiramente sentido. A correção de rumos de nossa jurisprudência – o que implica transformar-lhe a estrutura – é uma tarefa política, embora seu diagnóstico e os remédios que poderão salvá-la devam ser incumbências dos processualistas.

18. Com a insistência dos abnegados, fiéis a seus princípios, Calmon perseverou na crítica a nosso sistema judiciário, reprovando o critério de seleção e aperfeiçoamento dos juízes aplicado no Brasil que lhe pareceu um "defeito pernicioso", associado a um sistema de recursos "engendrado para fortalecer a posição dos tribunais, que tornam "os julgamentos de primeiro grau desmoralizados". Suas decisões não têm "nenhuma independência ou autoridade, em face de seus superiores, os eminentes desembargadores que integram os tribunais de apelação nos Estados e o juízes e tribunais regionais , na área da Justiça Federal e do Trabalho". "São os Tribunais que realizam os concursos para ingresso na carreira constituindo as comissões julgadoras (com maioria de membros dos tribunais) e definindo o conteúdo programático que entendem desejável. São eles que detêm o poder de investidura dos magistrados nos cargos e decidem sobre sua carreira, atendendo a critérios jamais revelados, mediante deliberação secreta, desmotivada e totalmente arbitrária, em que pese o mandamento constitucional no sentido da necessidade de motivação de todo e qualquer ato, inclusive administrativo".

19. A "desmoralização" dos julgamentos de primeira instância, operada por um escandaloso sistema recursal, associada à vigilante fiscalização, zelosamente exercida pelos tribunais, sobres os juízes hierarquicamente inferiores, exaspera o grau de corporativismo do Poder Judiciário, de tudo resultando – afirma Calmon –: "Os prejuízos para a advocacia, cada dia mais próxima de algo tão aleatório que se avizinha do exercício do jogo e da aposta" (Direito, poder, justiça e processo, Edição Revista Forense, 1999, nº 109-113).

20. Para encerrar esta breve e modesta homenagem, volto a indagar: por que nossas elites, compreendidas as elites políticas, empresariais e - principalmente – a prestigiada elite jurídica, não foram despertadas para essa realidade toda? Qual o mistério que as mantém alienadas?

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Por: Ovídio Baptista da Silva, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 28 - Jan/Fev de 2009.


sábado, 12 de setembro de 2009

.


Não só inspira como desatina,
às melhores e piores linhas.

E remete ao auto de quimeras...

Por mim,

em eras,

deveras....

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

VINICIUS POR MARIA




"Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus."


Vinícius de Moraes