quinta-feira, 26 de março de 2009

O DIREITO ALTERNATIVO E A DOGMÁTICA JURÍDICA - Parte I

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Por Miguel Alves Lima*

O “Direito Alternativo” talvez seja um dos temas mais debatidos na atualidade jurídica brasileira.
Há muito tempo que não se via os “Doutores da lei” saírem a campo, em tantos e tão diversificados espaços sociais, mostrando a sua cara e seu modo de pensar, num amplo processo de reflexão sobre os fundamentos do Direito, do Poder e do Estado, na sua relação com os princípios, as exigências e os objetivos da vida humana em sociedade.
Aliás, analisando atentamente o passado dos nossos letrados-juristas, pode-se constatar, a nível de tendência dominante de comportamento social, exatamente o inverso: os juristas de modo geral, tem-se mantido afastados da sociedade real, enclausurando-se em seus “ casulos teóricos” evitando, tanto quanto possível, contatos diretos e diálogos abertos com o mundo onde vivem e sofrem os mortais comuns. Esse distanciamento, consciente ou não, desses “doutores” em face do “Brasil-real” em que estão inseridos, coloca-os em contato com uma visão abstrata e enganosamente positivista (neutra, objetiva, racional) dos problemas vividos por uma sociedade para quem se acham na vocação de ditar o – que é Direito e o que é de Direito, sem conhecê-la na sua intimidade. As conseqüências da adoção dessa atitude alienada pela quase totalidade dos nosso juristas assumem diversas “poses”, algumas delas facilmente perceptíveis, outras guardadas a sete chaves, funcionando como garantia do exótico corporativismo elitista que envolve e identifica esse contingente social. Formados em uma tradição em que predominam o “malabarismo retórico” e a idéia de apego irrefletido à legalidade, nós, os juristas, nem sempre resistimos à tentação de imaginar que o nosso saber e a nossa práxis tem um quê de maturidade, de prudência e de racionalidade, não experimentando pelas demais manifestações intelectuais e profissionais. Isso justificaria a idéia de uma “liderança nata”, e a defesa de certos privilégios que corresponderiam a “direitos históricos” dos poucos mortais que viram a Themis, Deusa da Justiça!
Desse contato com a sabedoria de Themis, o nosso saber jurídico, livre de “impurezas” da cultura ímpia, das ambigüidades, dos delírios utópicos, das ideologias e do passionalismo, teria adquirido um grau de “Ciência madura”, consolidada, apta a responder com indiscutível clareza e a superar com reconhecida eficiência, quaisquer indagações ou incongruências até então sem respostas.
Por via de conseqüência, a nossa práxis (social e profissional), ungida por essa “certeza moral” decorrente da “Autoridade científica” da Ciência do Direito, legitima as nossas soluções “jurídicas” para toda a gama de problemas que nos fosse permitido analisar e avaliar com a nossa lógica jurídica, a lógica dos herdeiros de Themis!...
O direito Alternativo, representa, em primeiro lugar, uma atitude mental que questiona essa pretensão de ver o Direito – como legitima expressão da Palavra revelada. Nesse caso, o que se deseja é que o Direito e os juristas em geral ( pensadores, professores, Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Advogados, etc.) – passem por um processo de humanização, baixando ao nível das ruas, das fábricas, das favelas, dos cortiços, das prisões, das quilométricas filas da Previdência Social, caminhando com os que sofrem no peso da opressão tanta vezes legitimada por um Direito que se apresenta como neutro e justo para ocultar a violência institucionalizada. Essa mudança de atitude, trará o Direito e os juristas para o meio do Povo: o povo que chama por saúde, por escola, pelo fim da tortura nas delegacias de policia, pelo fim da impunidade dos “criminosos do colarinho branco”, por terra para plantar, por moradia, por alimento acessível, pela proteção da criança e do adolescente contra qualquer forma de negligencia,d e opressão, de violência e crueldade, por garantia de emprego e seguridade social, enfim, pelo respeito à sua dignidade como parceiro, sempre mais sacrificado, na construção de uma das mais – prosperas economias do Mundo contemporâneo, de cujos benefícios e prazeres se vê todos os dias mais excluído.
Desse ponto de vista, o Direito Alternativo não é apenas mais uma forma de interpretar as leis, abrandando o seu – rigor diante das situações concretas. É a antevisão de um projeto libertário. A proposta de transformar o Direito e de que os juristas se transformem em forças sociais engajadas no objetivo de mudarem o rumo da história, caminhando com e não contra aqueles que vêm a ser maioria da população brasileira – para quem a nossa tradição jurídica, incluindo as leis em vigor e sua aplicação, tem sido sancionadora da violência nas suas variadas formas.
Em (Sp, Ed. Acadêmica, 1990, p. 29), “Direito e Utopia”, João Baptista Herkenhol escreve: “A lei que temos é sancionadora da violência. Sancionadora da violência institucionalizada porque fornece os instrumentos jurídicos para a perpetuação das injustiças sociais. Sancionadora da violência privada, porque pune sobretudo os crimes dos pobres, ao mesmo tempo em que gera esses crimes ao legitimar uma organização social na qual são licitas as condutas altamente antisociais praticadas pelas classes opressoras. Sancionadora de violência oficial, mantendo com aparência de legitimidade todo um aparelho de coerção contra as classes oprimidas e de manutenção de seu estado de marginalização. Na atualidade brasileira, lei e violência – são sinônimos.”
Continua...
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* Miguel Alves Lima é Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.


Um comentário:

Bárbara disse...

Excelente texto.
É indispensável que os juristas "reinventem" o direito, seja de forma alternativa ou como preferem outros pelo uso alternativo do direito. O importqante é que não podemos ficar enclausurados, apartados do mundo real, da vida real...
Enfim, triste é ver o mundo jurídico em geral cada vez mais e mais fechado e distante daqueles que justificam a própria existência destes.