domingo, 25 de janeiro de 2009

Ilha das Flores

A sociedade está sempre voltada à ação. De forma pragmática, aplica aos fatos a mais simples das estratégias: ignorar as causas e encara os conflitos sociais como uma caixa preta – fechada e inviolável.
Pari passu, a naturalização (vislumbrar os problemas sociais como naturais e verossímeis) das manifestações de injustiças sociais, urge como mantedora do statu quo, tornando assim, inviável e dificultosa qualquer atividade compreendida com: a melhoria de vida para todos, abertura de espaços visando à emancipação do cidadão, ou até mesmo, sob o prisma jurídico, tornar o direito um instrumento de defesa/liberação contra qualquer tipo de dominação.


Parte I

Parte II

Curta-metragem: Ilha das Flores de Jorge Furtado. Porto Alegre, 1989.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Partido como Educador-Educando

É tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, porém, que a natureza política do processo educativo e que o caráter educativo do ato político esgotem a compreensão daquele processo e deste ato. Isso significa ser impossível, de um lado, uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, dos seres humanos em geral; de outro, uma prática política esvaziada de significado educativa. É neste sentido que todo partido político é sempre educador, e, como tal, sua proposta política vai ganhando carne ou não na relação entre os atos de denunciar e anunciar. Mas é este sentido também que, tanto no caso do processo educativo quanto no do ato político ou do partido, uma das questões fundamentais seja a clareza em torno do a favor de quem e do que, por tanto, contra quem e contra o que fazemos a educação, e do a favor de quem e do que, portanto, contra quem e contra o que desenvolvemos nossa atividade política. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática tanto mais percebemos a impossibilidade de separar o inseparável: a educação da política. O em favor do que e de quem que está na origem mesma do partido e de sua luta determina a maneira como sua prática educativa se dá na qual se incorporam a denuncia e o anuncio antes referidos, bem como o objeto da denúncia e do anúncio.
Um partido de classes dominantes, por exemplo, em primeiro lugar, não pode denunciar as verdadeiras causas dos níveis de pobreza e de miséria das massas populares, mas, pelo contrário, o que ele pode é falar delas, quando fala, de tal maneira que aquelas causas se ocultem. No fundo, a grande denuncia que fazem os dominantes é a denúncia de quem os denuncia e à sua ordem, vistos sempre por eles como "subversivos" e desordeiros. Por outro lado, que anúncio podem os dominantes fazer a não ser, no Maximo, o da mudança na continuidade?"
Por tudo isso não pode um partido dos dominantes estar jamais com as massaspopulares, mas contra elas, servindo-se delas. O em favor de que e de quem dos dominantes, que o seu partido procura viabilizar, através de um sem-número de filigranas e de engodos, explica a intenção de sua prática educativa no sentido de preservação do estabelecido.
A relação do partido dos dominantes com as massas populares, através do discurso ou de ações assistenciais, é sempre manipuladora. O discurso ou as ações assistenciais procuram antes ocultar do que desvelar. Isso não significa, porém, que as massas populares se deixem sempre docilmente enganar por tais discursos e por tais formas de ação. Uma prática político-pedagógica a ser desenvolvida por militantes de um partido de massas, neste caso, seria, não a de tentar "levar" a população de uma favela a recusar a água e luz, por exemplo, que lhe chegam como engodo político, ou criticá-la por aceitar algo tão importante a ela, mas, pelo contrário, reconhecendo o direito que tem a população de ter água e luz, trabalhar, com ela para transformar o sentido falso da doação em reivindicação do povo.
Em ultima análise, um partido de elite não pode realizar uma educação que, desenvolvendo-se na intimidade mesma dos movimentos populares, ajude as massas a fazer melhor o que já estão fazendo para assim fazer o que ainda não foi feito. Esta, sim, é uma das tarefas político-educativas de um partido de massas como o PT. O em favor de que e o favor de quem, o contra que e o contra quem em torno dos quais o PT se vem constituindo, ao nascer no corpo mesmo de movimentos sociais, lhe exigem uma compreensão e uma prática necessariamente diferentes, enquanto educador.
O PT não pode ser o educador que já sabe tudo, que já tem uma verdade intocável, diante de uma massa popular incompetente a ser guiada e salva. Um educador para quem o futuro seja algo preestabelecido, uma espécie de fado,de sina ou de destino irremediável. Enquanto educador, se, de um lado, não pode aceitar que a educação seja a alavanca das transformações sociais, não pode, por outro, desconhecer o papel indiscutível nestas transformações. Papel que se realiza, entre outros momentos, fundamentalmente, no esforço mobilizador e organizador das massas populares, como também no da capacitação de seus quadros militantes.
É preciso, contudo, chamar a atenção para o fato de que a questão não está apenas em proclamar verbalmente a opção pelas classes e setores dominados,mas ter uma prática político-pedagógica rigorosamente coerente com a proclamação verbal. Uma coisa é a expressão oral pelas classes oprimidas, pelas massas populares, a outra é uma prática elitista, quando sabemos que não é o discurso. É então a coerência entre a sua prática e as suas opções proclamadas que virá fazendo o PT, enquanto educador, reconhecer-se também como educando. Vale repetir: para que o PT assuma o seu papel de educador enquanto partido, coerentemente com as suas opções proclamadas, ele tem de assumir também o papel de educando das massas populares. A sua tarefa formadora, como partido de massas e não de quadros, se dá na interioridade das lutas populares, na intimidade dos movimentos sociais de onde ele veio, dos quais não pode afastar-se e com os quais deve aprender sempre.
Só os educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de ser educado pelos educandos, só eles separam o ato de ensinar do aprender, de tal modo que ensina quem se supões sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe.
Paulo Freire - A educação como ato político-partidário, de 1981.