Notoriamente, vislumbramos na obra de Kafka, um tecer literário que semeia demonstrar o fato de que o direito não é um ideal ou ideologicamente decorrência do Estado Justo.
Para compreender o expressar literário de Kafka, necessário mencionar algumas tendências ideológicas e culturais do autor. O mesmo, na adolescência declarava-se socialista e ateu, participava de reuniões com grupos anarquistas e, no fim da vida, engajou-se no movimento sionista. Kafka ainda, fez parte, junto a outros escritores da época, da chamada Escola de Praga, cuja tendia educacionalmente como um movimento de criação artística, alicerçada em uma grande atração pelo realismo, com inclinação à metafísica.
Deste modo, a obra em tela, revestida de preceitos filosóficos metafísicos e realistas, lança uma forte crítica a inexistência de idéias eternas, desmistificando com isso, os valores de justiça, da lei, dos procedimentos processuais e do próprio direito.
Não retroagindo muito às aulas de filosofia, temos o limiar histórico da hipotética do estado de natureza humano, que impulsiona e justificar a criação de um Estado de Direito, para dar cabo a desorganização civil.
Deste modo, muito tenta a academia de Direito, nos lecionar com demasiada freqüência o Estado de Direito, como a solução/perfeição de todos os conflitos social, bem como o ápice da organização civil, que regra as condutas humanas, impondo deveres e condutas, sobrepostas a direitos aparentemente garantidos.
Porém, aos ventos da contemporaneidade, pari passu se prova, que a cultura jurídica encontra-se as avessas do teórico, pois o que temos de fato, é um ordenamento jurídico de tutelas errôneas, respaldada em uma idéia inocula de democracia.
Vejamos um exemplo claro, a falência da tripartição dos poderes: o executivo absorve de fato, ou ao menos em partes o poder legislativo, ou seja, o parlamento não é mais o espaço de criação exclusiva de leis boas aos cidadãos, ele, em grande maioria, se limita a ratificar os decretos emanados do poder executivo. Em sentido técnico, a Republica, não é mais parlamentar, e sim governamental, e como esperar boa governabilidade em meio a uma ordem social gritantemente desigual?. Pudera ao menos, que essa transformação constitucional chegasse aos anseios do cidadão, porém, o que ocorre de fato, é que a mesma continua bem conhecida pelos juristas, porém totalmente despercebida pela população.
Ao que pese a tutela jurídica de garantias sociais e direitos humanos, o ordenamento jurídico atua de forma tão abstrata, que separa a norma de sua aplicação, para tornar possível sua não aplicação.
Mas voltando a obra de Kafka, Josef K. personagem principal do livro, transita em um drama, onde é condenado e punido pelo Estado de Direito, sem ao menos conhecer tais motivos e ainda, sem ao menos resistir ou preocupar-se com o fato de seu processo em curso.
Isso me remete idéia, de que muito discutiu-se, em especial nas assembléias constituintes, sobre a oportunidade de se inserir o direito de resistência nos textos constitucionais. Porém, como regular juridicamente alguma coisa que, por sua natureza, escapa à esfera do direito positivo. Giorgio Agamben, bem dispões sobre esse tema, afirmando que, é certo que, se a resistência se tornasse um direito, ou terminantemente um dever, cujo não cumprido pudesse ser punido, não só a constituição acabaria por se colocar como um valor absolutamente intangível e totalizante, mas também as escolhas políticas dos cidadãos acabariam sendo juridicamente normalizadas. De fato, a resistência tem significância por ser uma ação em si extrajurídica.
E o que dizer do direito tecido como normal geral e abstrata, de abrangência à todos, sendo que, diariamente a jurisprudência nos demonstra a necessidade de outros caminhos, provando ainda, a existência de lócus e anomias. Com vistas, obviamente o conceito de aplicação é um dos pontos mais problemáticos da cultura jurídica, a autores que afirmam que a questão foi mal colocada devido à referência à doutrina Kantiana do juízo enquanto faculdade de pensar o particular como contido no geral.
Por fim, o direito deve tencionar, na superação do legalismo estreito e positivar as conquistas no sentido da vida, tornando-se um instrumento de emancipação do cidadão, capacitado ainda, em analisar as minúcias de cada caso concreto e especifico, ou seja, como os Doutores da Lei, teoricamente gostam de citar “tratar desigualmente os desiguais para que assim se atinja a justiça social...”